"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

A vida cotidiana no Império


“[...] Miserável nação, que fielmente
Os tesouros franqueia aos Estrangeiros
Por chitas, por fivelas, por volantes
E por outras imensas ninharias!”
(Francisco de Melo Franco, satirizando a situação do Brasil em 1785) 

A vida monótona da Colônia começa a mudar com a chegada da Corte portuguesa ao Brasil em 1808. O Rio de Janeiro, então capital da Colônia, para acomodar os 15.000 súditos do rei, inicia a construção de novas casas e a reforma das já existentes.

Os historiadores Francisco Falcon e Ilmar de Mattos comentam:

“A elite voltou-se para a Europa – não tanto para Portugal, e sim para a Inglaterra e para a França. Através dos ingleses chegou o gosto pelas residências em casas isoladas, bem divididas e mais higiênicas, distantes do centro da cidade; por produtos superiores em qualidade: cristais e vidros, louças e porcelanas, panelas de ferro. Vieram também o refinamento dos modos de comer, com o uso de garfo e faca, e a utilização de novos remédios”.

Os comerciantes – sobretudo oriundos da Inglaterra e da França -, após a abertura dos portos, instalam-se na rua do Ouvidor, onde dezenas de lojas cheias de artigos europeus finos são comercializados. Livrarias, tabacarias, lojas de calçados, oficinas de modistas, perfumarias, barbearias mudam os hábitos e costumes da população colonial. Novos gostos são introduzidos para o conforto da elite. Maria Grahan, uma viajante inglesa que esteve no Brasil em 1821, assim descreve o comércio no Rio de Janeiro:

“As ruas estão, em geral, repletas de mercadorias inglesas. A cada porta as palavras Superfino de Londres saltam aos olhos: algodão estampado, panos largos, louça de barro, mas, acima de tudo, ferragens de Birmingham, podem ser obtidas nas lojas do Brasil a um preço um pouco mais alto do que em nossa terra.”

As casas das famílias de posses foram melhor decoradas com peças de mobiliário: cômodas e guarda-roupas ocuparam o lugar das arcas e baús; poltronas, sofás, lustres, pianos, espelhos eram importados de Londres e de Paris; nas mesas usa-se louça inglesa; banheiras substituíram as tinas para banho.

A vinda da Corte para o Brasil trouxe novas oportunidades de diversões para a população, como festas e comemorações cívicas, espetáculos teatrais, concertos, procissões religiosas. As mulheres saíram de seu mundo restrito às tarefas domésticas. Nas residências dos nobres ocorriam saraus, danças e jogos. Nas ruas circulavam coches, seges e carruagens puxadas por cavalos. Criaram-se escolas; a imprensa difundiu-se e os livros começaram a circular.

Todavia, a vida político-econômica continuou marcada pelo conservadorismo. A moral, os costumes e o modo de vida da grande maioria da população – constituída por índios, negros, mestiços, brancos pobres – permaneceu idêntica ao período colonial. As ruas eram lugares para vagabundos, prostitutas, mascates e uma quantidade enorme de escravos. Não havia calçamento, iluminação e rede de esgotos. A água era trazida pelos escravos, que a apanhavam nos chafarizes públicos.

Nessa época começam a chegar as primeiras levas de imigrantes europeus. Os costumes trazidos por esses imigrantes modificam muitos aspectos do cotidiano brasileiro: o pão francês substitui a mandioca cozida no café da manhã, no almoço bebe-se cerveja e os doces dos engenhos são substituídos pelos sorvetes. As expressões tradicionais de influência portuguesa e africana (como dona, sinhá) dão lugar a denominações afrancesadas (madame). Apesar do clima tropical, adota-se no vestuário a lã e o veludo. O colorido das roupas coloniais é substituído pela cor preta. Os sobrados e casas-grandes das cidades são substituídos por chalés e edifícios em estilo neoclássico. Até mesmo prostitutas francesas, polacas, russas, italianas são trazidas para o Brasil – eram mulheres cobiçadas por serem brancas.

Na segunda metade do século XIX aparecem os transportes públicos, como o ônibus e bondes puxados a burros e lampiões a gás para iluminar as ruas.

“Sua presença altera os hábitos do fluminense: ele aproxima as famílias e permite a descoberta de locais distantes [...]. Sua exploração é bom negócio e algumas empresas estrangeiras a ele se dedicam. As mais sólidas são a Rio de Janeiro Street Railway Company, a Ferro Carril de Vila Isabel, a de Carris Urbanos [...]. O preço da passagem, conforme o percurso, varia de 200 a 500 réis.” RENAULT, Delso. O dia-a-dia no Rio de Janeiro, segundo os jornais: 1870-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 18.

Saraus, bailes, concertos, reuniões e festas tornaram-se freqüentes. As mulheres passaram a veranear na Tijuca, em Petrópolis, em Nova Friburgo. Passeavam a pé, de barco, assistiam a regatas, tomavam banho de praia bem cedo, antes das ruas serem tomadas pelo movimento das negras quitandeiras e dos escravos. O Rio de Janeiro, no período imperial, reunia a maior concentração urbana de escravos no mundo desde a época de Roma.

Na época do carnaval a capital do Império festejava o entrudo. Nesses dias três que antecediam a quaresma, os foliões realizavam batalhas nas ruas atirando bolinhas de cera cheias de água, os famosos limões de cheiro. Aos poucos, esse carnaval popular foi proibido pela polícia. Surge, em seu lugar, um carnaval com confetes, serpentinas, fantasias, desfiles e lança-perfumes.

A partir de 1870 o regime monárquico entra em crise. Havia descontentamento nas províncias em relação à centralização do poder. Ampliou-se com o movimento republicano e a luta popular pela abolição da escravidão. A população livre e pobre via sua miséria aumentar com a cobrança abusiva de impostos. Explodiram revoltas como a do Vintém e a do Quebra-Quilos. O Exército surgia da Guerra do Paraguai como nova força política. Com a abolição da escravidão, em 1888, a monarquia perdeu seu último baluarte: o apoio dos barões de café. Desfechou-se – sem resistências - um golpe em 15 de novembro de 1889. Era o fim do regime monárquico e da preponderância britânica no país.


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