"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 2 de junho de 2017

Civilização II

Gladiadores depois do combate.
José Moreno Carbonero

No século XVIII, época em que se cunhou a palavra civilização, os intelectuais europeus experimentaram um momento de otimismo a respeito da bondade essencial do mundo, da graça de Deus e da capacidade do pensamento racional de classificar todo o conhecimento e resolver os problemas da humanidade. A noção de comportamento civilizado se firmou à medida que a politesse de inspiração francesa convertia proprietários de terras, mercadores e comerciantes (anteriormente dados ao mau hábito de morar e comer com seus trabalhadores) em uma elite portadora de maneiras corretas, quando não refinadas. A cultura cavalheiresca do século XVIII teve o aspecto de uma bem-vinda reedição do espírito de Atenas e Roma, e o otimismo do Iluminismo francês, acabrunhado com a guilhotina e o morticínio das guerras napoleônicas, floresceu novamente nos clubes de cavalheiros britânicos do século XIX. Durante a Era do Progresso e a expansão do Império Britânico, Macaulay, Carlyle e Buckle mostraram que as maravilhas da Grécia e Roma antigas, de Veneza e de Florença tinham uma natureza comum compartilhada com os prodígios da Grã-Bretanha industrial. O historiador vitoriano Henry Thomas Buckle arguiu, em 1857, que a civilização podia ser entendida como uma grande cadeia histórica cujo primeiro elo, a civilização do antigo Egito, "guarda um notável contraste com a barbárie dos demais povos da África". Do Egito, os elos da cadeia levaram à Grécia, depois a Roma, à Renascença, à Reforma, ao Iluminismo e, finalmente, às glórias da sociedade britânica de então. Os membros desse cortejo sagrado eram considerados civilizados; os estranhos, desavindos como bárbaros. O mundo civilizado da época de Buckle não apenas se definia por si próprio, como se dava a missão de "subjugar, converter e civilizar" o resto da humanidade, assim justificando a colonização europeia do mundo como uma salutar combinação de evangelismo e superioridade moral. A fronteira entre o civilizado e o não civilizado era fácil de traçar, embora fosse necessária certa destreza manual para lidar com os marajás mongóis e os imperadores chineses e japoneses: a civilização era branca e cristã; tudo o mais era barbárie. (Continua no próximo post)

OSBORNE, Roger. Civilização: uma nova história do mundo ocidental. Rio de Janeiro: Difel, 2016. p. 14-5.

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