"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Inglaterra, século XVIII: Céus e chãos

Humores de uma eleição, cena 3: A sondagem. William Hogarth

Inglaterra, século XVII: tudo subia.

Subia a fumaça das chaminés das fábricas,
subia a fumaça dos canhões vitoriosos, 
subia a maré dos sete mares dominados pelos cem mil marinheiros do rei inglês,
subia o interesse dos mercados por tudo o que a Inglaterra vendia e subiam os juros do dinheiro que a Inglaterra emprestava.

Qualquer inglês, por mais ignorante que fosse, sabia que ao redor de Londres giravam o mundo e o sol e as estrelas.

Mas William Hogarth, o artista inglês do século, não se tinha distraído contemplando os esplendores de Londres no alto do universo. As baixuras o atraíam mais que as alturas. Em suas pinturas e gravuras, tudo caía. Arrastavam-se pelo chão os bêbados e as garrafas,
as máscaras rasgadas,
as espadas quebradas,
os contratos rasgados,
as perucas,
os espartilhos,
a roupa íntima das damas,
a honra dos cavaleiros,
os votos comprados pelos políticos,
os títulos de nobreza comprados pelos burgueses,
os baralhos das fortunas perdidas,
as cartas do amor mentido
e o lixo da cidade.

GALEANO, Eduardo. Espelhos: uma história quase universal. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 146-7.

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