"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

O palácio real nas cidades mesopotâmicas

Jardins suspensos da Babilônia, Ferdinand Knab

O palácio real constitui naturalmente, na vida da cidade mesopotãmica, um mundo à parte. Todo um grupo social o habita e dele depende, ligado ao soberano por laços que não são somente os de parente a chefe de família, ou de servidor a senhor. De fato, os arqueólogos encontram em Ur [...] tumbas, que não devem ser posteriores ao início do III milênio, tão ricas em objetos preciosos que, pelo menos algumas, são com certeza reais. Ora, nenhuma delas contém menos de dois esqueletos, e por vezes várias dezenas, todos arranjados com grande cuidado. Não houve, certamente, nem tumultos nem violências, mas sacrifício voluntário - ou, o que dá no mesmo, imposto pela tradição - de suas vidas por parte de membros do círculo real, a fim de acompanhar o monarca a um mundo extraterreno. Nenhuma tumba real mais tardia foi encontrada intata, quer na Babilônia, quer na Assíria. Mas algumas tabuinhas assírias evocam o ritual funerário aplicado à morte do soberano: revelam-nos que incluía pelo menos o sepultamento concomitante da "dama do palácio", isto é, da que tinha o título de esposa. Simples simulacro, provavelmente, uma vez que conhecemos, no fim do século IX, uma rainha-mãe como regente no início do reinado de seu filho: Samon-Ramat, que se tornou lendária sob o nome de Semíramis. Mas é suficiente mostrar que, sob uma forma amenizada, o antigo hábito deixou traços que perduraram por muito tempo.

Este grupo social é numeroso, de composição muito variada, abrangendo trabalhadores de todas as profissões, domésticos, escribas, artesãos, homens de negócio, agricultores, pastores, guardiões dos armazéns etc., colocados sob a direção de um intendente. É que a existência de um domínio real, dotado de bens múltiplos e dispersos, faz do palácio uma espécie de vasta empresa econômica, cujos benefícios contribuem para fundamentar solidamente a força material do soberano.

Este destaca de seu domínio os apanágios que são constituídos em favor da rainha e dos infantes. No período de Hamurábi, pelo menos, são daí retirados também lotes que se distribuem, à guisa de remuneração, a soldados profissionais ou a funcionários. O restante é explorado diretamente segundo as ordens do rei, que age, nestas condições, como um grande proprietário que cuida de seus interesses. Não existe, seguramente, distinção alguma entre um domínio privado e um domínio real e o Estado, ao menos no que concerne às tarefas materiais de interesse geral. Isto porque, se a distinção pode ser clara para as taxas e impostos, tudo é completamente diferente com as corvéias impostas ao povo para a escavação e manutenção dos canais e canalículos de irrigação, construção de estradas, transportes, requisição de animais de tiro ou de carga, barcos ou carros etc. De qualquer maneira, são comuns os armazéns, onde se acumulam as rendas, tanto do domínio real como do Estado. De tal modo que o rei pode agir também como banqueiro, emprestando dinheiro a juros e participando de negócios de ordem particular. Grande proprietário de bens territoriais e de gado, possuidor de oficinas de transformação, é também um grande capitalista: de todos os pontos de vista, desempenha papel de importância na vida econômica do país.

AYMARD, André; AUBOYER, Jeannine. O Oriente e a Grécia: as civilizações imperiais. São Paulo: Difel, 1972. p. 131-2. (História geral das civilizações, 1)

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