"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

O eterno par de Alexandre Magno: um amor na Macedônia (Parte 1)

Alexandre e Heféstion, Andrea Camassei

Alexandre III da Macedônia, apelidado de Magno (o Grande), exemplo insuperável do herói militar da Antiguidade clássica e protótipo da beleza masculina na arte de todos os tempos, foi também um perfeito exemplo de guerreiro bissexual. Os historiadores tradicionais apresentam-no como um guerreiro incansável, obcecado pela conquista do seu império. Os mais ousados chegaram a sugerir que mal tinha tempo para pensar em sexo e que os seus casamentos com várias princesas orientais obedeceram a interesses políticos. Todos são unânimes em afirmar que ele rapidamente se desembaraçava delas para partir para as suas campanhas e raramente voltava a visitá-las. A mais afortunada foi talvez Roxana, filha de um sátrapa de Sogdiana, de quem teve o único filho que se conhece.

Paralelamente a esta imagem de conquistador omnipresente, férreo e um tanto misógino, subsistiu uma discreta e interminável polêmica sobre as verdadeiras tendências sexuais de Alexandre Magno. Se bem que o cerne da questão surgisse da ambígua relação de Alexandre com o seu amigo íntimo e colaborador Heféstion, há quem acredite que também se ligou com outro camarada de armas ou que, em caso de urgência, recorria aos prisioneiros e aos escravos que estavam ao seu serviço. Se, por um lado, parecia que as ocupações da guerra afastavam o jovem imperador das mulheres, por outro, deixaram-no muito unido aos seus homens.

Alexandre nasceu em 356 a.C., em Pela, a antiga capital da Macedônia. Era filho do rei Filipe II, que também teve as suas histórias, e da bela e dominadora Olímpia, princesa do Epiro. O pai andava sempre em guerra, um pouco por todo o lado, para unificar e expandir o seu reino e, por isso, a criança foi criada numa relação muito estreita com a sua sufocante mãe, que o amava com um fervor edipiano. Olímpia, entre beijos e abraços, não podia ter tido melhor ideia do que arranjar-lhe Aristóteles como preceptor, homem tão sábio como disposto a instruir os seus discípulos na diversidade que a vida oferece. O filósofo educou o pequeno Alexandre entre os treze e os dezesseis anos, idade certamente delicada para um jovem que já então tinha como companheiro de estudos e de brincadeiras o seu inseparável Heféstion.

Segundo Anábase, história das campanhas de Alexandre escrita por Arriano, Heféstion pertencia a uma família grega nobre, radicada na Macedônia. O pai, Amintor, fazia parte da colônia de gregos cultos contratados ao serviço do rei Filipe. Estes forasteiros notáveis recebiam tratamento de excepção, o que permitiu a Heféstion, apenas um ano mais novo do que Alexandre, ser educado com ele no palácio real. Filipe morreu em 336 a.C., depois de ter reinado durante duas décadas, e Alexandre sucedeu-lhe no trono com apenas dezanove anos. Incentivado pela sua impetuosa ambição, lançou-se numa vertiginosa campanha para submeter as cidades gregas, o que o obrigou a arrasar a emblemática Tebas. No ano seguinte, influenciados por tão impressionante exemplo, os chefes da Liga de Corinto concordaram em designá-lo comandante e estratego dos seus exércitos. Alexandre deixou como regente da Macedônia o maduro general Antípatro, que tinha sido lugar-tenente de seu pai, e empreendeu uma expedição para Oriente com o objectivo de se apoderar de tudo o que encontrasse pelo caminho.

Não existe notícia histórica de qual foi o papel de Heféstion nessa etapa, mas os cronistas voltam a mencioná-lo na Primavera de 334, quando Alexandre conquista a cidade de Tróia. Apenas o seu nome é citado, como se os contemporâneos já soubessem que era amigo de infância do rei da Macedônia, na época um de seus generais e, por assim dizer, o mais íntimo dos seus camaradas. Dizem as crônicas que Alexandre respeitou a lendária cidade homérica e que ofereceu um sacrifício no túmulo de Aquiles, enquanto Heféstion oferecia o seu próprio no de Pátrocles. Estas homenagens tiveram um curioso simbolismo, pois Homero já sugeria na Ilíada que os heróis troianos tinham sido amantes.

O nome de Heféstion volta a perder-se, enquanto a história registra o avanço de Alexandre na conquista das cidades costeiras da Ásia Menor, e reaparece na decisiva batalha de Issos, em Novembro de 333.

TOURNIER, Paul. Os Gays na História. Lisboa: Estampa, 2006. p. 43-44 e 46.

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