"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 16 de outubro de 2016

Harém: a vida entre prazeres e intrigas (Parte 2)

Odalisca reclinada, Hermann Fenner-Behmer


A aprendizagem da etiqueta da corte, do savoir-faire mais refinado, o aperfeiçoamento nos domínios da música, da dança, da poesia lapidavam aquela que até então tinha apenas a beleza como atributo. Sua formação era contínua, assegurada pelo pessoal feminino do harém. Cada jovem era encaminhada a um serviço particular pelo mordomo do harém - servir à mesa, cuidar da roupa branca ou dos banhos - e recebia por aquela tarefa um salário diário. Ali se decidia o seu destino. Ao ter um desempenho superior em sua função, a mais bela, a mais inteligente, a mais hábil conseguia fazer-se notar. Assim nasciam rivalidades que formavam o pano de fundo da vida cotidiana do serralho.

A mais estrita hierarquia reinava entre as escravas. O escalão mais baixo era ocupado pelas cariye (pronuncia-se djanê), as iniciantes, das quais algumas poderiam vir a atrair a atenção do sultão. Nesse caso, eram chamadas de gözde (literalmente, "no olho"), companhias passageiras. O senhor conservava entre elas aquelas que dominavam as mais refinadas artes da atração - e as artes eróticas não eram as menos importantes.


No harém, Adolphe Yvon

Essas damas de companhia que o vestiam, o banhavam, serviam suas refeições e seu café, cuidavam de suas vestimentas, entre outras atribuições, eram chamadas de odalik - as famosas odaliscas -, termo vindo de oda, que significa "para o quarto".

A fortuna começava a sorrir àquelas que partilhavam mais regularmente a cama do sultão. Essas ikbâl, ou concubinas, dispunham no palácio de apartamentos privados e de servidores. A atribuição de um número de ordem (favorita nº 1, nº 2...) as hierarquizava. Mas todos os favores recaíam sobre aquela que dava à luz um filho. Ela tornava-se cadine (mulher nobre) e obtinha o status de esposa. O número dessas privilegiadas oscilava entre quatro e oito, a mais honrada sendo aquela que havia gerado o primeiro filho do sultão. Suntuosos aposentos lhe eram atribuídos, bem como rendimentos substanciais que lhe permitiam financiar hospitais, mesquitas, fontes ou banhos públicos em Istambul ou nas províncias.

Os efetivos femininos do harém variaram ao infinito, segundo a época e os desejos de cada senhor. Quase 200 no tempo de Solimão, o Magnífico, mais de 900 em meados do século XVII, entre 400 e 800 no século seguinte, 809 em 1870. Por ocasião da morte de um sultão, suas favoritas em geral eram encaminhadas ao Velho Palácio, situado no centro da capital, um "palácio das lágrimas", onde as mais idosas e as que haviam caído em desgraça definhavam aos poucos. No entanto, o costume permitia a algumas contrair novas núpcias com altos dignitários, com a concordância do novo soberano. Aquelas que jamais haviam merecido as atenções do sultão podiam, depois de nove anos de serviços, deixar o palácio e se casar; sua educação esmerada fazia delas parceiras cobiçadas.

Jean-François Solnon. Harém, a vida entre prazeres e intrigas. In: Revista História Viva. Ano XI / Nº 123 / p. 48-49.

Nenhum comentário:

Postar um comentário