"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 16 de maio de 2016

A criação do Santo Ofício

A Inquisição foi uma instituição da igreja medieval destinada à repressão da heresia. Originou-se no fim do século XII, quando Alexandre III decretou sanções contra os hereges, e institucionalizou-se no Tratado de Paris (1229), assinado sob o pontificado de Gregório XI, o qual na bula Ille Humani Generis (8 de fevereiro de 1232), confiou a luta contra a heresia à Ordem dos Dominicanos.

No início, esse tribunal de exceção combateu sobretudo os cátaros do Languedoc (século XIII), mas se transformou logo num instrumento de perseguição a todos os inimigos - reais ou supostos - da Igreja Católica. Desse modo, a Inquisição lutou, no decorrer dos séculos XIV e XV, contra os templários, os espirituais (seita que esperava uma segunda vinda do Espírito Santo), os judeus, os wicletistas e hussitas (que pregavam uma reforma da Igreja na Inglaterra e na Boêmia, respectivamente). A partir do século XVI, as atividades da Inquisição concentraram-se na Espanha e na Itália, em lutar contra as ideias da Reforma e da Renascença. Em 1545, o papa Paulo III instituiu a Congregação da Inquisição ou Santo Ofício, com sede na Espanha.

A Inquisição espanhola teve seu início oficial com uma bula de Sisto IV, datada de 1º de novembro de 1478, plenamente aprovada pelos Reis Católicos. O primeiro tribunal da Inquisição espanhola foi instaurado em Sevilha, com a finalidade de fiscalizar especialmente os "conversos" - judeus convertidos à força ao catolicismo.

Em outubro de 1483, frei Tomás de Torquemada foi nomeado Grande Inquisidor de Castela, Aragão, Leão, Catalunha e Valência. Suas Instruções  (normas para conduzir processos da Inquisição) eram tidas como lei do reino no final do século XV. O Grande Inquisidor era sempre aprovado pela Santa Sé, os outros juízes eram nomeados pelo rei.

A Inquisição espanhola perseguia, além de hereges, bruxas, assassinos, sodomitas, polígamos e diversos outros "criminosos". Não há dúvida de que a Inquisição encontrou na Espanha sua terra de predileção. Passou para Portugal, por decisão de Dom João III e do papa, em 1536, para ali combater os judeus que tinham fugido da Espanha. Além do judaísmo, o tribunal português considerava crimes o luteranismo, o maometismo, a feitiçaria, a bigamia, a pederastia etc. No século XVI, a Inquisição estendeu-se às colônias espanholas da América, atingindo também o Brasil.

Um auto-de-fé no povoado de San Bartolomé Otzolotepec, Artista desconhecido

O processo inquisitorial tinha regras cujo essencial se desenrolava da seguinte maneira: três ou quatro sacerdotes inquisidores chegavam a um lugar suspeito de ter núcleos de heresias. Reunindo o povo na Igreja, faziam uma pregação solene e apocalíptica, exortando os culpados à confissão espontânea. Um "mês de tolerância" ou "tempo de graça" era geralmente concedido para que os "criminosos" confessassem sua culpa, Depois desse prazo, vinham as denúncias, abertas ou anônimas, e os acusados eram conduzidos pelo cura local e pelas testemunhas ao inquisidor. Todo cristão, sob pena de excomunhão, devia denunciar os suspeitos de heresia que conhecesse ou que tivesse ouvido falar.

Começavam então os interrogatórios, sem advogados, sem revelação do nome de quem denunciava e sem uma relação dos crimes apontados. A Inquisição dava, no entanto, valor especial à confissão dos culpados. Nos casos de confissão espontânea, o réu sofria apenas uma pequena penitência. Caso contrário, era submetido a tortura, autorizada oficialmente por documentos pontifícios. Os juízes podiam escolher entre a flagelação, o garrote (estrangulamento operado lentamente, sem suspensão do corpo), a polé ou roldana e os tições acesos. Na maior parte dos casos, os reús, extenuados, confessavam-se culpados de todas as possíveis formas de heresia.

Em cerimônias chamadas autos-de-fé, verdadeiros dias de festa, as sentenças eram pronunciadas publicamente, na presença de autoridades seculares e religiosas, numa praça onde se reunia o povo. A Igreja aplicava diretamente as penas de prisão perpétua, de confiscação de bens, remetendo ao "braço secular" os casos de pena de morte, quase sempre na fogueira. Havia ainda marcas de infâmia (cruzes amarelas sobre as vestes do condenado), peregrinações obrigatórias, destruição de propriedades e de casas e até mesmo exumação dos mortos, cujos crimes de heresias só foram conhecidos após a morte.  

As Grandes Religiões. São Paulo: Abril Cultural, 1973. v. 3, p. 442-443.

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