"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A bomba de Hiroxima

Mulher e criança estátua, Yasuko Yamagata

 Às 8 h 15 min da manhã de 6 de agosto de 1945. um relâmpago de luz tão brilhante como o sol explodindo cruzou o céu de Hiroxima. Numa flama branca de calor e fogo, milhares de seres vivos vaporizaram-se na morte; muitos outros milhares ficaram sofrendo e morrendo lentamente; a mais horrorosa era humana havia começado.

Até mesmo a 3,5 quilômetros de distância do centro da explosão, todos os edifícios foram reduzidos a destroços, e os soldados de um destacamento japonês que estivera trabalhando numa colina cavando um abrigo subterrâneo, saíram do interior da terra, feridos e estonteados, com sangue a correr dos rostos, costas e peitos. A manhã estivera muito límpida, mas o sol fora subitamente encoberto por uma imensa nuvem negra em forma de cogumelo, que se elevava da infeliz Hiroxima e pairava no céu, tapando tudo num espaço de vários quilômetros. A manhã fora calma e agradável, porém agora grandes rajadas de vento começaram a soprar, rodopiando loucamente em todas as direções, aumentando e espalhando-se cada vez mais, atiçando os incêndios e destruindo tudo com indomável fúria. Uma simples centelha era suficiente para incendiar um edifício inteiro, envolvendo-o num lençol de chamas, um redemoinho de ar escaldante apoderara-se da subitamente esquelética cidade; e, mesmo a quilômetros de distância, a explosão abalara profundamente os sobreviventes, cobrindo-os de cinzas.

Criança queimada, Yamashita Masato

Os refugiados, os mais afortunados e os moribundos foram saindo de Hiroxima, cambaleando e até de rastos, e procuraram abrigo num parque dos arredores. As suas roupas haviam-se convertido em farrapos, e a pele de suas mãos e rostos, horrivelmente queimada, deixara-os em carne viva, quase todos eles estavam mortalmente enfermos, não parando de vomitar ou de soltar queixumes angustiosos. No parque, cerca de vinte soldados, talvez membros de uma unidade antiaérea, estavam deitados no chão, num grupo imóvel, símbolo do horror. Haviam olhado para o céu, no momento em que a bomba explodira e, agora, caídos por terra, continuavam olhando para cima com os olhos esvaziados e mortos.

O último drinque, Ono Kiaki

Os inválidos e os feridos arrastavam-se lentamente pelo parque, como animais letalmente atingidos, morrendo em grupos compactos entre os arbustos. Começou então a chover pesadamente, e um vento terrível soprou assustadoramente por toda a região uma tempestade de força devastadora. Assaltou o parque, árvores enormes foram arrancadas do solo e as mais frágeis voaram pelos ares como se fossem folhas de papel. O cataclismo era horrendo e total.

Brilho da noite sobre Hiroxima, Asai Kiyoshi

O horror durou todo o dia e toda a noite, e ainda todo o dia seguinte. Hiroxima, que às 8 h 14 min da manhã fora uma cidade de 245 000 pessoas, convertera-se às 8 h 15 min num intolerável e negro necrotério para os 100 000 mortos, desaparecidos e moribundos; e das suas fumigantes e prostradas ruínas outros 100 000 haviam fugido; muitos deles levando consigo as sementes da morte prematura da radiação, do câncer e da leucemia. A era atômica nascera à custa de toda a humanidade.

Essa foi a sua origem, no mais verdadeiro dos sentidos, pois a bomba atômica que explodimos sobre Hiroxima foi a mais rudimentar e elementar de todas as armas da nova era da ciência nuclear. As bombas da Segunda Guerra Mundial  - que haviam causado tanta devastação em Londres, Roterdã, Hamburgo e Berlim - tinham apenas 2 000 libras de poder explosivo. A bomba atômica de Hiroxima explodiu com a tremenda força de 20 000 toneladas de TNT. Mas atualmente a bomba de Hiroxima já é antiquada e insignificante no arsenal da guerra, tal como tornara antiquada as bombas da Segunda Guerra Mundial.

COOK, Fred J. O Estado Militarista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. p. 296-297.

Nenhum comentário:

Postar um comentário