"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 16 de janeiro de 2016

O populismo no Brasil: o governo Jânio Quadros

Nos jornais toda a história de uma época. 
A renúncia de Jânio Quadros (Folha da Tarde)

Mas a calmaria não duraria muito. Ao longo da redemocratização surgiram vários partidos políticos que, na maior parte do tempo, não chegavam a ameaçar o controle das três agremiações dominantes. Quase sempre de pouca duração, esses pequenos partidos, às vezes, tinham designações pitorescas, como União Social pelos Direitos do Homem, Partido Industrial Agrícola Democrático ou Partido Nacional Evolucionista, para mencionarmos apenas alguns exemplos. Vez por outra, porém, a fragmentação partidária permitia a ascensão de políticos não vinculados às organizações tradicionais. Com certeza o exemplo mais bem-sucedido desse tipo de trajetória foi Jânio Quadros, que, a partir de 1947, foi eleito sucessivamente vereador, deputado estadual, prefeito e governador pelo Partido Democrático Cristão.

O anticomunismo e a retórica moralista de Jânio em muito agradavam aos udenistas. Misturando o discurso conservador com práticas populistas, Jânio parecia conseguir o impossível: ser de direita e conquistar o apoio das massas. Não é de se estranhar que dele a UDN tenha se aproximado, selando uma aliança para as eleições presidenciais de 1960. Do outro lado do espectro das forças políticas, reproduzia-se a aliança PSD/PTB, com a indicação do general Lott, da ala nacionalista do exército. Pela segunda vez, também era candidato à presidência Ademar de Barros, líder populista paulista, concorrendo pelo Partido Social Progressista.

A vitória janista é esmagadora: ele conseguiu 50% de votos a mais do que o general Lott e quase 150% a mais do que Ademar de Barros. A UDN finalmente chegava ao poder. Mas se tratava de uma vitória ambígua. O novo presidente governa sem consultar a coligação de partidos que o elegeu, seu ministério inclui inimigos dos udenistas e pessoas escolhidas pelo critério de amizade. No exército, promove os grupos antinacionalistas. Em relação ao congresso, tem uma postura agressiva declarando publicamente tratar-se de um clube de ociosos.

Visando combater os altos índices de inflação herdados do governo anterior, Jânio implementa uma política econômica austera. No plano internacional, desagrada a UDN, pois implementa uma política de não-alinhamento com os Estados Unidos, valorizando acordos comerciais com os países do bloco comunista. Ao mesmo tempo que tem uma política econômica coerente e é inovador na política diplomática, o presidente aprova medidas sem nenhuma importância, mas com grande repercussão nos meios de comunicação, como a proibição do uso de biquínis em desfile de misses, do hipnotismo em lugares públicos, de corridas de cavalos em dias de semana, de brigas de galo... Condecora Che Guevara, em uma aproximação com Cuba- talvez tentando repetir a política internacional ambígua de Getúlio Vargas, que foi responsável por acordos vantajosos com os Estados Unidos.

Apesar do tom autoritário, quando não carnavalesco, de seu governo, o risco de instabilidade política parecia diminuir, a não ser por um importante detalhe: segundo a legislação da época, vota-se para o vice-presidente separadamente do cabeça-de-chapa. Ora, na eleição de Jânio, João Goulart havia sido novamente eleito para o referido cargo. Após pouco mais de seis meses de governo, o presidente procura explorar a delicada situação, anunciando a renúncia.

Conforme ele próprio reconhece, em livro organizado alguns anos mais tarde sobre a História do Povo Brasileiro, seu objetivo era forçar uma intervenção militar: primeiro, operar-se ia a renúncia; segundo, abrir-se-ia o vazio sucessório - visto que a João Goulart, [...], não permitiriam as forças militares a posse, e, destarte, ficaria o país acéfalo; terceiro, ou bem se passaria a uma fórmula, em consequência da qual ele mesmo emergisse como primeiro mandatário, mas já dentro do novo regime constitucional, ou bem, sem ele, as forças armadas se encarregariam de montar esse novo regime... O aprendiz de ditador fracassa por causa da "vacilação dos chefes militares". Instala-se, porém, uma grave crise política, cujo desfecho final tem uma data marcada: 31 de março de 1964.

PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da História da Brasil. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 340-1, 343-4.

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