"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 12 de abril de 2015

A sociedade fenícia

Cavaleiro. Terracota do século VIII a.C.

"A antiga Fenícia correspondia mais ou menos ao território do Líbano atual. A comunicação por via terrestre era difícil devido ao terreno montanhoso, mas as cidades fenícias tinham fácil comunicação marítima. O litoral tinha bons portos naturais e nas montanhas podia-se encontrar madeira apropriada para a construção de navios. Além do mais, as cidades fenícias estavam localizadas entre a Mesopotâmia e o Egito [...]." (PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 20)

* O comércio era seu principal meio de vida. Como agricultores, os fenícios plantavam nos vales existentes no litoral, cereais, a videira e a oliveira, com os quais produziam farinhas, vinho e azeite.

Essa produção agrícola era lucrativa, porém frequentemente se perdia, porque a região onde se localizavam as cidades fenícias sofria constantes invasões de povos vindos dos desertos ou de exércitos de Estados fortes (como o Egito). O que deveriam fazer os dirigentes fenícios, diante da periódica destruição da sua produção agrícola? É evidente que teriam de buscar outra atividade econômica mais estável. Escolheram o comércio, que também poderia oferecer lucrativos rendimentos.

Aproveitando-se das madeiras existentes nas regiões montanhosas do interior, construíram numerosas embarcações e se expandiram pelo Mediterrâneo, fundando inúmeras colônias [...].

Em seus navios, movidos a remo e a vela, os comerciantes fenícios transportavam mercadorias produzidas em suas cidades ou compradas nos países com os quais mantinham relações comerciais.

Conhecidos como navegadores audazes e por venderem variados produtos de luxo, os comerciantes fenícios também eram vistos como negociantes desonestos. Essa opinião era comum entre os autores do Mundo Antigo, como se verifica em certa passagem da Odisseia, de Homero, poeta grego do século X a.C. [...]:

"Um dia, os fenícios, povo famoso na marinha, mas sutil e trapaceiro, abordaram as praias da nossa ilha com um barco carregado de tecidos e de bijuterias raras e brilhantes. Havia no palácio de meu pai uma escrava, notável pela beleza e pelos trabalhos que saíam de suas mãos. Aqueles estrangeiros astuciosos trataram de seduzi-la [...] e enviaram [...] um homem manhoso, que apareceu no palácio a pretexto de oferecer à venda um colar de ouro, [...] Enquanto minha mãe e as suas criadas tinham os olhos postos no colar [...] o velhaco levou a escrava para o seu barco [...]"

Segundo informações chegadas até nós, as pequenas embarcações fenícias navegavam inclusive fora do Mediterrâneo, atingindo a Inglaterra ou contornando o continente africano, como nos relata Heródoto:

"Saindo, pois, os fenícios do Mar Eritreo [Mar Vermelho], navegaram  pelo Mar do Noto [Oceano Índico], durante sua viagem. cada vez que chegava o outono, colocavam seus barcos na praia de qualquer litoral da Líbia [África], semeavam a região e esperavam a colheita. Recolhida a colheita, continuavam a viagem. Agindo assim durante dois anos, dobraram as Colunas de Hércules [Estreito de Gibraltar] e, no terceiro ano, chegaram ao Egito."

* O alfabeto foi sua principal realização cultural. A realização desses empreendimentos comerciais e marítimos obrigava os comerciantes e empresários fenícios a registrar suas transações, o que apresentava dificuldades, porque os sistemas de escritas conhecidos eram complicados. As escritas egípcias e mesopotâmicas, amplamente utilizadas pelas sociedades do Oriente Próximo, com seus numerosos e complexos sinais, revelavam-se inadequadas à feitura de recibos de compra e venda, listas de preços de mercadorias, relações de gastos com o transporte e o armazenamento dos produtos.

Foi, então, por motivos utilitaristas, que se criou um sistema de escrita simplificado, capaz de ser empregado por qualquer indivíduo. O novo sistema compreendia 22 letras, todas consoantes, e a denominação de alfabeto origina-se dos nomes das duas primeiras letras fenícias, chamadas aleph (touro) e beth (casa).

Inventado por volta de 2000 a.C., o alfabeto fenício veio depois a ser modificado pelos gregos e romanos, dando origem aos alfabetos atualmente utilizados no Mundo Ocidental.

Pouco sabemos das contribuições da sociedade fenícia nas Artes, na Literatura e nas Ciências porque a maior parte de suas realizações foi destruída pela ação do tempo. Escavações arqueológicas revelaram, contudo, que a produção artística e literária fenícia refletia profunda influência de modelos egípcios e mesopotâmicos.

A religião fenícia era politeísta e cada cidade-Estado possuía suas próprias divindades. Estas divindades sempre formavam um casal identificado com a chuva e com a terra, o que reflete o primitivo caráter agrícola da sociedade fenícia. O casal divino também era venerado como protetor da navegação e respeitosamente tratado de Baal (Senhor) e Baalat (Senhora). Assim, Adônis era o Baal e Astarté, a Baalat de Tiro. O culto incluía, no seu ritual, sacrifícios humanos de crianças, talvez uma prática religiosa para limitar o crescimento das populações urbanas.


Fenício representado em mural do Antigo Egito. 
Ca. 1500-1450 a.C.

* O governo era dos ricos comerciantes. A sociedade fenícia, ao contrário do que ocorreu em outras sociedades do Oriente Próximo, foi incapaz de organizar-se em Estado único, politicamente centralizado, como o Egito dos Faraós. Na realidade, não houve uma História Fenícia, mas, sim, das cidades-Estados fenícias que se desenvolveram independentes entre si. As mais importantes foram Sídon, Ugarit e Biblos. Cada uma delas possuía seus próprios dirigentes.

"A primeira cidade a exercer sua hegemonia foi Biblos (ca. 2500 a.C.), que comerciou intensamente com Chipre, Creta e Egito. No Egito trocava a madeira pelo papiro, material utilizado na escrita. Daí a denominação de biblos dada pelos gregos ao rolo de papiro e, por extensão, ao próprio livro.

Em seguida predominou Sídon (ca. 1500-1300 a.C.), que estendeu o comércio por todo o Mar Egeu e pelo Mar Negro, fundando colônias e comerciando com os gregos ainda semi-bárbaros.

Depois a supremacia passou a Tiro (séculos IX-VI a.C.); os fenícios estenderam-se até o norte da África - onde fundaram colônias, entre as quais Cartago (século IX a.C.) - o sul da Itália, as ilhas do Mar Tirreno, a Espanha, chegando até as atuais França e Grã-Bretanha. A partir do século VI a.C. Tiro entrou em declínio, passando a sofrer a concorrência dos etruscos, dos gregos e de sua própria colônia Cartago, a qual acabou dominando as colônias fenícias da África, da Sicília e da Espanha." (HOLANDA, Sérgio Buarque de [et alli]. História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 43.)

A forma habitual de governo foi a Monarquia, geralmente com poderes limitados pelo Conselho dos Anciãos, cujos integrantes pertenciam às famílias ricas. A hereditariedade da Monarquia, contudo, não satisfazia aos interesses da poderosa classe de comerciantes, de proprietários de navios e de oficinas artesanais. O resultado foi a substituição das Monarquias hereditárias pelos Sufetas, em número de dois e escolhidos pelo Conselho dos Anciãos para exercer o poder temporariamente. 

Essas modificações políticas também foram apoiadas pela classe sacerdotal, proprietária de templos, de terras e de outras riquezas. Os sacerdotes fenícios integravam a aristocracia dirigente e eram recrutados entre algumas das famílias mais ricas da sociedade.

Nas cidades fenícias, a escravidão praticamente não existia, pois os escravos eram mais utilizados como mercadoria de comércio do que como mão-de-obra produtora.

A maioria da sociedade compreendia artesãos. portuários. trabalhadores domésticos e marinheiros, além de pequeno número de camponeses que, em servidão coletiva, cultivavam as terras vizinhas às cidades-Estados.

Por vezes, as cidades fenícias foram atacadas e pilhadas por exércitos de outras sociedades do Oriente Próximo. Algumas vezes, chegavam a ser conquistadas, mas acabavam recuperando a independência. Finalmente, foram integradas ao Império Persa e, posteriormente, a outros Impérios, como o de Alexandre, o Grande, e o Romano.

AQUINO, Rubim Santos Leão de [et alli]. Fazendo a História: da Pré-História ao Mundo Feudal. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1989. p. 42-5.
HOLANDA, Sérgio Buarque de [et alli]. História da Civilização. São Paulo: Nacional, 1974. p. 43
PEDRO, Antonio; LIMA, Lizânias de Souza. História por eixos temáticos. São Paulo: FTD, 2002. p. 20

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