"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Diferença dos sexos e pilosidade: a barba e os cabelos

O apóstolo Paulo escreve aos coríntios: "A própria natureza não vos ensina que é uma desonra para o homem usar cabelo comprido? Ao passo que é glória para a mulher uma longa cabeleira, porque lhe foi dada como um véu". Tudo está dito: a "natureza" dita a honra que comanda o comprimento dos cabelos de acordo com os sexos. Deus nada mais faz além de seguir as regras criadas por ele mesmo. Do mesmo modo os fiéis.

A derrubada, Pedro Weingärtner

A diferença dos sexos é marcada pela pilosidade e seus usos: os cabelos para as mulheres, a barba para os homens. Os cabelos são considerados, com frequência, signo da efeminação. As épocas andróginas deixam-nos crescer: como durante o romantismo ou nos anos posteriores a 1968. Nas empresas, nessa época, os "cabelos longos" eram censurados e os jovens ameaçados de exclusão, ou efetivamente despedidos, se persistissem em não cortá-los. Os conflitos foram frequentes a esse respeito.

A virilidade se afirma frequentemente pelo crânio raspado; foi assim na Roma antiga, e posteriormente cristã. Paulo preconiza o véu para as mulheres, mas não para os homens, que, ao contrário, devem cortar os cabelos: "É uma desonra para o homem usar cabelo comprido". Os guerreiros trazem o crânio liso. Os neonazistas fazem disso uma proclamação de virilidade.

A barba é outra coisa. Pode ser um sinal de virilidade. Molière fala da "potência da barba". "A barba é onipotente", diz Arnolphe na L' École des femmes. A santa que quer conservar a virgindade pede a Deus para lhe fazer crescer pelo no queixo: a "santa barbuda" se preserva adotando a identidade do outro sexo.

Velhice e juventude, Pedro Weingärtner

Há um simbolismo viril da barba. Ela significa potência, calor e fecundidade, coragem (a juba dos leões) e sabedoria. Deus Pai é representado barbudo, como Abraão, seu submisso. A barba mostra a ancianidade do homem, sua anterioridade com relação à mulher segundo Clemente de Alexandria. Ela representa a idade, a duração fundadora, o tempo. A paternidade. Mas ela deve ser domesticada. No século IV, os Pais da Igreja combatem "os monjes barbudos", principalmente os discípulos de um certo Eustátio de Sebaste, que prega um ascetismo rigoroso, o abandono da sexualidade, e preconiza deixar crescer barba e cabelos. A indiferenciação da cabeleira encobre o desejo de indiferenciação sexual. Assim ocorreu com o unissex apregoado nos últimos trinta anos do século XX por nossos cabeleireiros urbanos, o que hoje em dia já saiu de moda.

PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2013. p. 52-53.

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