"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

domingo, 3 de novembro de 2013

As religiões de salvação

A religião de Zoroastro, que nasceu no Irã talvez antes de 1000 a.C. (da qual restam, hoje somente 130.000 praticantes, dentre os quais os mais conhecidos são os pársis da Índia) introduziu ideias novas no mundo das religiões: a da existência de um princípio do bem e um princípio do mal que se enfrentam (o que denomina-se, comumente, de dualismo que, através do maniqueísmo, chegará a muitas heresias cristãs) e a crença de que, no fim da vida, há um juízo em que são pesadas todas as ações humanas e que, como conseqüência deste juízo, todos os que merecem têm um céu e os que não, um inferno; ao final do mundo haverá, além do mais, um juízo geral e uma ressurreição. Essas ideias sobre a sobrevivência fantasmagórica dos mortos, passaram ao judaísmo e, através deste, ao cristianismo.



A história do judaísmo é difícil de ser seguida pois os textos em que nos baseamos, denominados pelos cristãos de Antigo Testamento, foram compilados e corrigidos muito mais tarde, entre 600 e 100 a.C. Sua religião tinha, inicialmente, um deus supremo, El, até que os seguidores de Moisés conquistaram a terra de Canaã em nome de um novo deus chamado Jeová, uma divindade da tempestade. O reino de Israel foi unificado por Davi, ao redor de 1000 a.C. e seu filho Salomão construiu, na capital Jerusalém, um templo em honra ao deus supremo Iahvé, o que impedia que também fossem venerados outros deuses até que, em 600 a.C., surgiu o movimento que faria de Iahvé o deus único. A religião dos judeus incorporou as ideias de salvação e de um apocalipse, que seria sucedido por um mundo em paz, somente depois do exílio da Babilônia: as ideias de raiz zoroástrica que se desenvolveram nos grupos de Qumran e entre os cristãos, passando a fazer parte de nosso caudal de crenças. Um aspecto importante da evolução religiosa dos judeus foi a confrontação entre o conservadorismo do clero do Templo e a atuação crítica e renovadora dos profetas.

A derrota da resistência judaica à dominação romana iniciou a longa etapa do judaísmo rabínico em que a religião centrada no estudo do Tora (Bíblia hebraica e, especialmente, seus cinco primeiros livros, o Pentateuco, atribuídos a Moisés) e na oração iria converter-se no signo de identidade e o traço de união das comunidades judias, que reforçaram, por este motivo, a observação dos ritos e das normas jurídicas compiladas no Talmud.

A diáspora, que dispersou os judeus e espalhou sua cultura, dividiu a cultura rabínica em dois grandes ramos, a dos askenazies, no centro e leste do continente e a dos sefarditas, na Península Ibérica, que contribuíram em grande medida para o florescimento místico da cabala que, após a expulsão dos sefarditas da Espanha em 1492, alimentou as correntes de esperança messiânica que culminaram, no século XVII, com o aparecimento, na Turquia, de um homem nascido em Esmirna em 1626, Sabatai Zeti, que se proclamava o Messias esperado, abalando as comunidades judaicas europeias.

Após o fracasso do “sabatismo” – o pretenso Messias foi obrigado, pelos turcos, a converter-se ao Islamismo – as esperanças apocalípticas que ele alimentara conservaram-se em um substrato cabalístico – sabatista que influiu nas duas correntes divergentes do haisidismo piedoso e puritano (nascido na Europa do leste e que tem hoje, seus grupos mais representativos em Nova York) e do “frankismo”, que combinava o gosto por aspectos esotéricos do cabalismo com uma preocupação ilustrada (com personagens como Moses Dobruska, um sabatista que militou com os jacobinos na Revolução Francesa e foi guilhotinado com Danton, em 1794).

No transcurso dos séculos XIX e XX, as correntes modernizadoras conduziram, em grande parte, o judaísmo europeu a uma direção secularizadora que culminara com o sionismo, em que a velha esperança messiânica transformou-se na vontade política da refundação de um Estado de Israel.


FONTANA, Josep. Introdução ao estudo da história geral. Bauru: Edusp, 2000. p. 300-301.

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