"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

O rock e a Guerra do Vietnã

Aqueles que ouviam os Beatles não imaginavam as mudanças que os rapazes de Liverpool anunciavam. Seu primeiro álbum, de 1964, não parecia revolucionário, embora fosse irreverente. A música do grupo fazia as pessoas se reunirem de maneira alegre e aparentemente inofensiva. Um pouco infantis, os quatro tinham apelo tanto entre mães quanto entre filhos, vendendo mais discos em um curto espaço de tempo do que qualquer outros músicos na história, o que ajudou a popularizar o rock na Inglaterra. Nos seis anos que se passaram desde sua primeira apresentação juntos até sua separação em 1970, os integrantes da banda fizeram os adolescentes se sentirem participantes de uma comunidade ampla e especial, à qual seus pais, e talvez até seus professores, não pertenciam verdadeiramente.

Chegada dos Beatles ao aeroporto JFK, Nova Iorque, 1964: um dos momentos fundamentais da história da banda e do rock mundial. Fotógrafo desconhecido.


 Aquela foi a primeira geração de adolescentes com dinheiro para gastar. Nas décadas anteriores, ao terminar os estudos, os jovens começavam imediatamente a trabalhar e os parcos salários semanais eram entregues aos pais, com quem continuavam a morar. Em 1900, na França e na Grã-Bretanha, o trabalho juvenil contribuía muito mais do que o das mães para a renda total da família; portanto, era vital que os filhos continuassem em casa. Mas agora os jovens colocavam a si mesmos e a suas preferências no alto da lista de prioridades. Deixavam a casa da família mais cedo. Tinham menos, ou nenhuma, consideração pela opinião dos pais. Foi uma espécie de meia declaração de independência. Em meados da década de 1960, somente uma minoria de jovens norte-americanos a proclamou, mas foi uma minoria considerável, suficiente para influenciar o ânimo da década, especialmente na Califórnia.

Beatles, Rolling Stones e a guitarra de Bob Dylan foram os pioneiros dos palcos. Os sinais de diferenças de opinião acentuaram-se. Os hippies apareceram. O álcool e outras drogas, inclusive a heroína, invadiram a atmosfera. A contracultura ficava cada vez mais contra. O envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã crescia e muitos jovens diziam não ao recrutamento.

A Guerra do Vietnã tinha certa semelhança com a Guerra da Coreia. Os dois países haviam sido divididos em um norte comunista e em um sul antidemocrático, e o norte disciplinado havia atacado, inicialmente com sucesso, o sul. Os norte-americanos e seus aliados ajudavam o Vietnã do Sul, enquanto os russos e os chineses enviavam armas e munição - mas não soldados - em auxílio ao Vietnã do Norte. Diferentemente da paisagem e do clima da Coreia, o Vietnã causou perplexidade nos norte-americanos: era um país mais tropical, com selvas e campos de plantação de arroz. A superioridade aérea norte-americana era incontestável, mas adequada principalmente para bombardear gigantescas rodovias ou ferrovias, e não trilhas no meio do mato. Assim, o país militarmente mais avançado do mundo não podia usar sua tecnologia. Mísseis nucleares estavam fora de cogitação Tais armas provocariam retaliações por parte dos chineses e russos, além de inflamar a opinião pública mundial. Cada vez mais, os norte-americanos precisavam de seus homens em terra - o total chegou, por fim, à casa de meio milhão.

Uma guerra que inicialmente parecia fácil de ser vencida tornava-se, aos poucos, perdida. No final da década de 1960, o barulho causado pelos protestos nos Estados Unidos ficou ensurdecedor. As alternativas radicais ganhavam a preferência - não tinham necessariamente o apoio da maioria do povo norte-americano, mas contavam com uma minoria numerosa o suficiente para abalar os círculos políticos.

Protesto contra a Guerra do Vietnã, Boston, 1970. Foto: Nicholas DeWolf

Com a divisão interna que causou nos Estados Unidos, a Guerra do Vietnã misturou vários ingredientes na mesma panela. Os jovens se opunham ao conflito e aos valores dominantes dos políticos e cidadãos que o apoiavam, começando a perceber as virtudes dos camponeses asiáticos e os defeitos dos moradores das cidades norte-americanas. A ideia de os Estados Unidos entrarem na guerra para defender as liberdades pessoais dos vietnamitas parecia realmente estranha quando tantos negros norte-americanos tinham muito menos liberdade do que os brancos do país. Argumentos como esse inspiraram centenas de milhares de comícios contra a guerra. No entanto, embora houvesse liberdade para protestar em Washington, o mesmo não acontecia em Hanói.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do século XX. São Paulo: Fundamento Educacional, 2011. p. 246-248.

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