"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

O mundo dos gregos 1: a tecnologia do ferro

Capacete corintiano em bronze. Século VII-VI a.C. 
Foto: David Liam Moran

A invenção do bronze exerceu um efeito drástico na escala e no estilo da guerra e deu início a um período de mil anos de sublevações, à medida que Estados lutavam contra outros e impérios se sucediam. Por volta de 1200 a.C., outro metal - o ferro - surgiu em cena, e o negócio da guerra foi transformado mais uma vez.

[...]

Esse novo metal, mais barato e abundante que o bronze, revolucionou as artes da paz e da guerra. A partir de mais ou menos 1200 a.C., ferreiros itinerantes andavam em todas as direções, fabricando foices e relhas de arado para fazendeiros e espadas e lanças para soldados. As relhas de ferro tornavam a lavoura mais fácil e rápida e possibilitaram o cultivo de terras que até então eram consideradas difíceis de ser trabalhadas.


Foice de ferro. 
Foto Giovanni Dall’ Orto

As novas espadas trouxeram consequências ainda mais significativas. Os primeiros a tirar vantagem dela foram os pastores nômades das estepes, que habitavam as terras onde o ferro foi obtido pela primeira vez. Mas eles não eram os únicos a se beneficiar das novas armas. Em países mais ao sul, a Idade do Bronze fora a era do auriga aristocrático, Agora, com a introdução da espada, da lança e do escudo, todos de ferro e economicamente acessíveis, a balança da vantagem pendeu decisivamente em favor  dos bem treinados soldados a pé.

Capacete de hoplita

Um grupo que abraçou entusiasticamente a nova tecnologia de guerra foram os povos falantes do grego que viviam em torno do Egeu. Sua origem está envolta em mistério, mas ao que parece eles partiram para a Grécia vindos do norte em uma série de migrações entre 2000 a.C. e 1500 a,C. Por volta de 800 a.C., com suas espadas de ferro e táticas militares superiores, haviam conquistado a totalidade do continente grego e ocupado grande parte da costa da Ásia Menor.

Se esses invasores algum dia tiveram um sistema de escrita próprio, aparentemente o perderam durante o período conhecido como "Idade das Trevas grega". Não foi senão quando desenvolveram sua própria versão do alfabeto fenício, por volta de 800 a.C., que começaram a deixar registros escritos a partir dos quais sua história posterior pode ser fragmentariamente reunida. De acordo com esses registros, podemos identificar muitas características que parecem ser fundamentalmente gregas. O mais notável delas era uma autoconsciência feroz e orgulhosa. isso ocorreu em grande parte devido à situação física em que viviam. O ambiente comum eram pequenos territórios formados por uma vila e seu interior agrícola, em um vale estreito que desembocava no mar, separados dos vizinhos por cadeias montanhosas. Tal situação encorajou a tendência ao separatismo, que foi corporificada na palavra - polis - utilizada por eles para descrever as comunidades de que faziam parte. Polis (plural poleis) é normalmente traduzido como "cidade-Estado", mas a tradução perde a essência do que a palavra grega realmente queria dizer. Para seus cidadãos, a polis não era apenas a vila e seus arredores. Era o corpo de cidadãos que decidiam coletivamente como suas comunidades deviam ser governadas. Durante a Idade das Trevas, as poleis parecem ter sido governadas por reis. Mas por volta de 800 a.C., a maioria era governada por pequenos grupos de proprietários de terras, contando com a aquiescência dos cidadãos.

O belicoso orgulho cívico desses cidadãos era uma prova de que jamais haveria um Estado grego unitário. Isso também criava uma disposição de espírito em que uma polis estava pronta para lutar com outra a qualquer momento, visando salvaguardar sua independência. Mas a despeito de seu sentimento altamente desenvolvido de separatismo, e sua predisposição a guerrear umas com as outras, essas comunidades estavam unidas em sua consciência de serem gregas, embora essa não fosse a palavra que usavam para si mesmas. "Gregos" foi o nome que os romanos lhes deram mais tarde. Eles chamavam a si mesmos de helenos. E traçavam uma linha clara entre helenos e não helenos. Chamavam estes de "bárbaros", uma imitação dos sons de "bar, bar" feitos pelos povos que não falavam sua língua. Seu senso de uma herança comum foi reforçado por dois elementos de sua cultura que datavam ambos do século oitavo a.C.: os épicos homéricos e os Jogos Olímpicos.

Próximo post: O mundo dos gregos 2: os épicos homéricos e os Jogos Olímpicos

AYDON, Cyril. A história do homem: uma introdução a 150 mil anos de história humana. Rio de Janeiro: Record, 2011. p. 87-90.

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