"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Exploração, escambos e feitorias

O período imediatamente posterior à chegada portuguesa ao Brasil em 1500 caracterizou-se pelo envio de expedições costeiras a mando da coroa, com o objetivo de explorar e conhecer os segredos do novo território incorporado ao império colonial luso.

O reconhecimento sobre o território, no que tangia às riquezas, o relevo, a população indígena e o clima, permitiu que Portugal dirigisse com maior segurança o seu projeto colonizador, delimitando com clareza as etapas a serem seguidas para a plena ocupação da região.

Em um primeiro momento, os olhares da coroa portuguesa estiveram direcionados para o lucrativo comércio de especiarias das Índias e a exploração do litoral africano. Dessa forma, tornou-se inviável a Portugal transferir recursos, navios e homens para o território do Brasil sem uma efetiva compensação financeira. O Brasil representava, nesse momento, papagaios, frutos exóticos e tintura extraída da madeira do pau-brasil. Muito pouco, comparado aos lucros do comércio de especiarias.

No entanto, o lucro do pau-brasil atiçou o interesse de outros Estados europeus, especialmente a França, visando o contrabando da madeira para o continente europeu.

A importância que esse comércio atingiu durante o início do século XVI foi expresso no próprio meio ambiente, pois:

"esse comércio foi tão intensamente efetuado que no próprio século XVI, já muitas florestas estavam devastadas e algumas regiões já desprovidas de árvores." (MARCHANT, Alexander. Do escambo à escravidão. São Paulo: Nacional, 1980. p. 15.)

Com o objetivo de patrulhar o litoral brasileiro, combater os contrabandistas e explorar a geografia, Portugal enviou expedições para garantir o pleno domínio sobre o território e conhecer a sua nova possessão. Tais expedições ficaram conhecidas como as expedições guarda-costas.

A preocupação portuguesa em garantir o seu controle sobre a região estava vinculada ao desejo de implementação do monopólio luso nas relações comerciais, dentro da ótica mercantilista em vigor na Europa.

Além da repressão aos rivais dos portugueses no comércio colonial, as expedições procuravam mapear o litoral brasileiro, indicando as condições climáticas, a vida natural da região, a amabilidade ou a beligerância das tribos indígenas etc.

Evidentemente, o custo dessas expedições e a proteção do território tinham de ser compensados financeiramente. O desejo imediato português de encontrar ricas jazidas de ouro e de outros metais preciosos esbarrou na inexistência de minas na faixa litorânea.

Restou à coroa investir na realidade mais imediata: a exploração do pau-brasil. Para reduzir os custos, Portugal utilizou a própria mão-de-obra indígena através do escambo. Mas o que foi o escambo?

Embora no senso comum persista a ideia de que escambo significa "troca direta de mercadorias, sem interveniência de moedas" (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Básico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1988. p. 261), no caso português, houve o interesse em trocar mercadorias, leia-se espelhos, colares, pentes e ferramentas, por trabalho.

Dessa forma, as populações indígenas aprenderam, no contato com os portugueses, que:

"não podiam obter miçangas ou camisas apenas por derrubarem e desgalharem uma árvore na mata, mas só ao entregarem a madeira na feitoria, em forma apropriada ao embarque. No que concerne aos indígenas, recebiam as cobiçadas bagatelas e miuçalhas em troca da entrega aos portugueses de certos objetos materiais, pau-brasil ou (como no caso dos Guarda-Costas) víveres e outros produtos." (MARCHANT, Alexander. op. cit. p. 33.)

A necessidade de armazenamento das mercadorias a serem levadas para Portugal levou ao estabelecimento de armazéns fortificados, ocupados por mercadores que garantiam os contatos comerciais com os índios e esperavam os barcos que levariam os produtos até a Europa. As duas principais feitorias encontradas no litoral brasileiro foram em Cabo Frio (cuja concessão foi depois transferida para Itamaracá, em Pernambuco) e São Vicente. Aliás, não foi por acaso que os primeiros agraciados com a escolha de capitanias no Brasil, Martim Afonso de Sousa e seu irmão Pero Lopes de Sousa, escolheram São Vicente e Itamaracá, respectivamente.

No entanto, a primeira feitoria foi construída em 1504, pelo mesmo grupo mercantil que obtivera o direito de comércio do pau-brasil, e localizava-se em uma ilha da baía da Guanabara. Esse grupo, liderado por Fernando de Noronha, foi contratado em 1502 pelo rei D. Manuel, o Venturoso. Caberia ao grupo "mandar seis navios por ano e explorar anualmente trezentas léguas da costa, além de construir e manter, por três anos, um forte". (MARCHANT, Alexander. op. cit. p. 16.)

No próprio ano de 1504, pelos serviços prestados à coroa, Fernando de Noronha recebeu a ilha de São João ou da Quaresma como doação, tornando-se essa ilha a primeira capitania hereditária no Brasil Colonial.

A última das grandes expedições realizadas no século XVI foi a de Martim Afonso de Sousa (1530-1532), que tinha alguns objetivos definidos: garantir a posse portuguesa sobre o território brasileiro, expulsando os barcos e feitorias francesas do litoral, ampliar o conhecimento cartográfico português da região (cabe lembrar que a expedição chegou ao rio da Prata no sul do continente) e iniciar o povoamento do Brasil através da fundação de uma vila, a de São Vicente, em 1532, que foi inicialmente povoada por Martim Afonso de Sousa e parte de sua tripulação.


Fundação de São Vicente por Martim Afonso de Sousa, Benedito Calixto

A partir desse momento, a coroa portuguesa começava a estruturar um projeto de colonização permanente através da imigração de portugueses ao Brasil e da sistemática exploração econômica da região dentro dos quadros da política mercantilista.

AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. Sociedade brasileira: uma história através dos movimentos sociais. Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 95-98.

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