"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Cultura popular e vida cotidiana na Europa medieval

A quermesse de S. Jorge, Pieter Bruegel

O estudo da cultura popular e da vida cotidiana da Europa medieval enfrenta dois problemas. Primeiro, a imagem, criada sobretudo pela literatura e pelo cinema, de uma sociedade marcada por contrastes radicais, quase sem intermediários: heróis ou bandidos; nobres opulentos ou servos miseráveis; piedade religiosa ou heresias; homens dominantes ou mulheres submissas (ou ausentes); monges enclausurados em seus mosteiros ou cavaleiros errantes; Deus ou o diabo. Segundo, a existência de fontes, em particular escritas, quase exclusivamente produzidas pelas elites ou para elas, as quais expressam apenas um dos diversos grupos sociais.

Contudo, é possível montar quadros reveladores de alguns aspectos fundamentais da vida cotidiana e da cultura do povo.

A violência física, a flagelação do corpo, parece ter sido um dos traços marcantes e distintivos da vida na Europa medieval. Os castigos do corpo provinham basicamente de três fontes: as doenças, a fome e a guerra.

Havia, ainda, a violência contra o espírito, representada sobretudo pela vigilância e pela exigência do cumprimento dos preceitos religiosos. Mas, mesmo nesses casos, impunha-se o flagelo do corpo. Os penitentes, cheios de medo e sentimento de culpa, castigavam o corpo para aplacar ou punir os desejos da carne, a grande fonte dos pecados e, portanto, da condenação eterna. A tortura, praticada por todos os poderosos, era utilizada pelos inquisidores para forçar a confissão dos pecados e, por meio do padecimento, remir a alma dos pecadores.

A sociedade medieval tem sido definida como misógina, ou seja, que tem aversão às mulheres. A misoginia medieval foi, principalmente, decorrentes das concepções religiosas impostas pela Igreja católica, que criou dois tipos ideais de mulher: a virgem, casta e pura, segundo o modelo da mãe de Jesus; e a pecadora, segundo o modelo de Eva, que se deixou levar pela tentação do demônio, para a perdição dos homens.

Entre esses dois modelos, qual seria o lugar da mulher real, de carne e osso? Segundo o historiador Georges Duby:

“[...] O dever primeiro do chefe da casa era vigiar, corrigir, matar, se preciso, sua mulher, suas irmãs, suas filhas, as viúvas e as filhas órfãs de seus irmãos, de seus primos e de seus vassalos.

[...] O ideal [para as mulheres] era uma divisão equilibrada entre a oração e o trabalho [...] do tecido. No quarto, fiava-se, bordava-se, e quando os poetas do século XI fazem tentativas de dar a palavra às mulheres, compõem canções “de fiar”. [...] Contudo, as orações e essas obras, realizadas em equipe como o eram, [...] não livravam os homens, persuadidos da perversidade estrutural da natureza feminina, de uma inquietação obsedante, fantasmática: o que fazem as mulheres juntas, só entre elas, quando estão encerradas no quarto? Evidentemente, fazem o mal”.(Georges Duby (org.). História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 88 e 90. v. 2)

O casamento monogâmico, imposto pela Igreja católica por volta do ano 1000, era uma das maneiras de o homem impor sua dominação sobre a mulher. Transformando-a em dona de casa submissa, ele controlava o medo que o sexo feminino lhe inspirava.

A vida religiosa não livrava as mulheres da violência, nem contra o corpo nem contra o espírito. Nem de sofrer, nem de praticar a violência. Grande quantidade de documentos registra várias formas de violência sofrida e praticada pelas religiosas nos conventos, muitas delas ligadas a atividades sexuais.

Os prazeres, tanto quanto a morte, ocupavam o imaginário popular medieval.

A rua, onde se juntavam os corpos das vítimas da peste ou da guerra, era também o espaço das festas populares. Cantores e artistas apresentavam espetáculos nas ruas e praças. Principalmente por ocasião das feiras e das grandes celebrações, fossem elas promovidas pelos senhores poderosos ou, depois do século XII, pelos reis.

Em todo mundo católico, ocorria também a grande explosão do carnaval, que misturava antigas tradições pagãs com diferentes formas de compreender os preceitos cristãos. O carnaval, na Idade Média, tinha seu maior esplendor nas cidades italianas de Roma, Veneza, Florença e Turim.

A Igreja, mesmo tentando coibir os excessos, nunca se propôs a proibir o carnaval. Talvez por entender que uma sociedade tão reprimida precisava de uma válvula de escape...

NEVES, Joana. História Geral – A construção de um mundo globalizado. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 201-203.

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