"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A difusão do comércio de escravos: dos mercados de escravos do Oriente Médio ao tráfico Atlântico

O comércio de escravos (Escravos na Costa Oeste da África), François-Auguste Biard

A escravidão é cruel. [...] a posse de seres humanos por outros seres humanos está entre as piores práticas para deteriorar a humanidade. Porém, grande parte do que se chama de civilização foi construída sobre a escravidão. Nas culturas antigas, inclusive os sumérios, babilônios, a antiga Grécia e Roma, a escravidão era uma base econômica e geralmente considerada um modo de vida razoavelmente tolerável pelos menos privilegiados, que preferiam a escravidão a morrer de fome.

Os árabes tinham poucos problemas com a escravidão, fazendo deles os clientes ideais para os vikings, que vendiam escravos. Grande parte do litoral da Suécia fica no mar Báltico, de frente para o leste; então, os vikings dessa parte da Escandinávia geralmente navegavam para o leste em vez de irem para o oeste e para o sul, como faziam os vikings noruegueses e dinamarqueses. Conforme esses aventureiros nórdicos da Suécia exploravam pontos nas atuais Letônia, Lituânia e Estônia, eles começaram a navegar mais para o leste, atravessando pequenas baías e rios até chegarem à Rússia. Nas florestas do norte da Rússia, eles encontraram uma fonte de riqueza: um povo tribal, que foi capturado para ser vendido como escravo.

Os vikings não tinham dificuldade para chegar aos mercados de escravos do Oriente Médio pelo mar. Eles simplesmente transportavam sua carga através de um rio. O Dniepre corre pelo atual oeste da Rússia, passando pela Ucrânia e pela Bielorrúsia em seu caminho até o Mar Negro. A partir dali, eles podiam navegar até Constantinopla. Mas a leste, o rio Volga segue na direção sul até o Mar Cáspio, que faz fronteira com o atual Irã. A partir do Mar Cáspio, os vikings podiam chegar aos lucrativos mercados de escravos de Bagdá. Quando os missionários cristãos se aventuraram pela primeira vez na Escandinávia, os nórdicos capturaram e venderam alguns deles.

Os árabes já lidavam com escravos havia muito tempo e tinham outras fontes além dos comerciantes vikings para seres humanos prisioneiros. Desde a conquista de grande parte do norte da África, nos séculos VI e VII, os árabes levavam escravos daquele continente.

As guerras africanas, assim como as guerras em grande parte do restante do mundo desde os tempos pré-históricos, geralmente envolviam uma tribo ou um vilarejo que capturava as pessoas de outra tribo ou vilarejo. Conforme os comerciantes árabes penetraram no continente a partir do século VI, os africanos aprenderam que poderiam trocar seus inimigos prisioneiros por mercadorias valiosas com estes estrangeiros.

O comércio escravo árabe criou uma economia escrava na África, que ainda tinha força no final do século XV. Quando os navegadores portugueses começaram a aportar no oeste africano, encontraram vendedores de escravos locais dispostos a vender trabalhadores. Em 1482, os comerciantes portugueses construíram seu primeiro posto de troca de escravos em Gana. No início do século XVI, os portugueses enviavam prisioneiros para Portugal e as ilhas dos Açores, no Atlântico, onde os colonizadores portugueses precisavam de trabalhadores. Em alguns anos, havia um novo mercado para estes escravos nas Américas e os portugueses foram obrigados a fornecer para ele.


Navio negreiro, Rugendas

Em meados do século XVI, os colonizadores espanhóis das ilhas caribenhas haviam decidido que precisavam de uma nova fonte de trabalho. Os indígenas locais, que haviam sido escravizados, não tinham imunidade contra as doenças da Europa. Muitos estavam doentes ou fracos e muitos haviam morrido.

Os espanhóis começaram a importar escravos africanos, que tinham menos propensão de contrair varíola (a varíola - uma das doenças mais mortíferas entre os europeus e muito mais para os indígenas caribenhos - estava tão espalhada pela África que os escravos africanos acabaram desenvolvendo uma resistência natural). Os primeiros escravos foram comprados de navios portugueses por volta de 1530, iniciando um comércio que aumentou bastante ao longo dos séculos XVI e XVII e teve seu ápice no XVIII.

Também no século XVI, os espanhóis descobriram que o trabalho escravo fazia com que as colheitas, como a do açúcar, que podia ser cultivado em Hispaniola e outras ilhas caribenhas, fossem altamente rentáveis. Assim, eles compraram mais escravos. Por volta de 1700, quatro mil chegavam às ilhas governadas pela Espanha todos os anos.

Os ingleses, que estavam construindo seu primeiro estabelecimento permanente na América do Norte, em Jamestown, Virgínia, em 1607, não esperaram muito para começar a importar escravos. Os ingleses também tinham uma plantação bastante rentável e que exigia muitos trabalhadores: o tabaco. Em 1619, a Virgínia começou a usar escravos africanos nos campos de tabaco.

Portugal levou escravos para o Brasil em uma quantidade tão elevada que, por volta de 1800, metade da população deste país enorme tinha herança africana.

O tráfico de escravos era uma das maneiras mais certas de ficar rico com o comércio intercontinental, de 1500 a 1800. Os europeus se uniram aos comerciantes árabes e aos governantes africanos, que também podiam fazer fortuna com este negócio horrível. Os holandeses, ingleses, franceses e dinamarqueses se uniram aos portugueses, construindo estações de escravos na África.

"No Brasil, um pouco recuperados das agruras da viagem, os africanos eram exibidos nas lojas dos comerciantes de carne negra, amarrados uns aos outros. Às vezes eram tantos os negros que a mercadoria vazava para as ruas, onde ficava exposta à curiosidade dos compradores. Eram examinados como animais: apalpados, dedos enfiando-se pelas bocas, procurando os dentes para adivinhar a idade ou conferir se o vendedor não mentia. Os órgãos sexuais, objetos de cuidadosa inspeção, as mulheres tendo os seios manipulados e os genitais escancarados para a avaliação da sua qualidade como objeto sexual ou como "parideiras". Henry Koster repugna-se ante tamanha brutalidade: '[...] Deus de bondade! é a coisa mais horrível do mundo. Eles, porém, não parecem sentir mais que o desconforto da situação. Seu alimento é carne salgada, farinha de mandioca, feijão e às vezes banana da terra. A comida de cada dia é cozida no meio da rua, em enormes caldeirões. À noite, os escravos são conduzidos a um ou mais armazéns e o condutor fica de pé, contando-os à medida que eles passam. São trancados; e a porta é aberta de novo ao romper do dia seguinte'." (CHIAVENATO, Júlio José. O negro no Brasil, da senzala à guerra do Paraguai. São Paulo: Brasiliense, 1980. p. 127-128.)

Em 1713, a Espanha concedeu à Inglaterra um monopólio para abastecer suas colônias americanas com 4800 escravos por ano durante 30 anos. Ninguém sabe quantas pessoas foram capturadas e vendidas, mas os números podem ter chegado a sete milhões somente no século XVIII. É difícil chegar a um número exato, parcialmente porque muitas pessoas morreram no transporte. As condições aterradoras a bordo dos navios negreiros incluíam colocar escravos acorrentados em ganchos com pouco mais de 90 centímetros de altura. Muitos morriam na sujeira, de doenças e de desespero e os marinheiros jogavam os corpos, sem qualquer cerimônia, no mar. Aqueles que sobreviviam eram vendidos em leilões.

HAUGEN, Peter. História do mundo para leigos. Rio de Janeiro: Alta Books, 2011. p. 124-126.

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