"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Morte e Guerra Fria

A bela cidade de Dresden (Alemanha), referência universal da cultura, foi destruída em poucas horas por um intenso e cruel bombardeio aéreo decretado pelos aliados anglo-saxões.

O mundo desenhado nas conferências de Yalta e Potsdam manteve-se por mais de quarenta anos. Somente com a queda do muro de Berlim, em novembro de 1989, as fronteiras delimitadas por Churchill, Roosevelt (depois Truman) e Stalin foram rompidas. À guerra quente sucedeu-se por quatro décadas a Guerra Fria, o choque entre duas concepções de mundo e duas fontes de poder, Washington e Moscou.

O comunismo triunfava no leste da Europa e na Ásia (com a vitória de Mao Tsé-tung na China em 1949, sobre os nacionalistas de Chiang Kai-chek). A Europa ocidental, as Américas e o Japão eram mantidos sob o controle político e econômico norte-americano, fortalecido pelo uso - e pela posse exclusiva até 1949 - da arma final, a bomba atômica. O Exército Vermelho de um lado e os B-29 do outro marcavam a geografia do mundo.

Cabe perguntar: o que, passados cinquenta anos, nos ficou da guerra? Ficaram a divisão em dois mundos, que afetaria a vida de todo o planeta nesse período, o quase conflito total entre as duas novas superpotências, Estados Unidos e União Soviética, e criação da ideia de conflitos localizados (como as guerras da Coréia e do Vietnã). O mundo do pós-guerra também assistiu ao fim do colonialismo, ao surgimento de dezenas de novos países na África e à eclosão de revoluções e golpes de Estado em quase todos os países da periferia do sistema econômico.

O ano de 1945 deixou também a triste memória do genocídio: depois da descoberta dos campos de extermínio e do julgamento de seus responsáveis, a inocência ética que fizera convenções e mais convenções para criar uma guerra mais "humana" era coisa do passado. O Holocausto não foi a única marca da vergonha absoluta de nosso século, porém. Os cogumelos atômicos de Hiroshima e Nagasaki deixaram à sombra também a consciência dos cientistas. O conhecimento absoluto trouxe a arma absoluta.

Hiroshima, 6 de agosto de 1945, 8h 15, bomba atômica.

Finalmente, o pós-guerra gerou nova divisão do mundo em dois blocos: aquele dos países ricos e o resto. Os países comunistas tentaram durante algum tempo romper esse dualismo, mas finalmente cederam. O desenvolvimento das forças industriais, da comunicação de massa e da sociedade de consumo tornou-se a linha geral da condução do mundo. O Estado de bem-estar social e o American way of life - a ideia de que é possível uma vida de conforto material ilimitado, baseada na competição entre os agentes do mercado - acabaram triunfando. Os soldados norte-americanos levavam a Coca-Cola em suas mochilas. O dólar passou a ser moeda universal, e o inglês, língua de uso corrente.

Com a entrada de milhões e milhões de mulheres no sistema produtivo, substituindo os homens que estavam nos campos de batalha, a face da sociedade mudou. A liberação sexual, a mudança nos hábitos de consumo, as mudanças na família e, principalmente, a velocidade no ritmo das mudanças, tanto sociais quanto técnicas, são fruto da guerra.

O conflito deixou também alguns instrumentos de controle mundial que adquiriram mais força recentemente. O principal instrumento político foi a Organização das Nações Unidas, criada em 1945, que serviu durante décadas de local para o confronto - e a diplomacia - entre União Soviética e Estados Unidos - e agora passou a ser palco das decisões geopolíticas globais. O Fundo Monetário Internacional (FMI), outro produto da guerra, moldou e molda a vida de milhões de pessoas, principalmente nos países economicamente mais atrasados e endividados. A Europa, berço das duas guerras mundiais do século XX, resolveu se unir num grande mercado comum, e agora, numa comunidade das nações (a União Europeia), apesar da manutenção dos ódios raciais e nacionalismos.

No que diz respeito às consequências militares, o conceito de guerra mudou. Até 1939 pensava-se mais no poder de fogo das armas, do que na capacidade de enviar suprimentos para as forças em conflito. Os generais mais prestigiados eram os comandantes de tropa; em 1945, o mais importante general em ação, Eisenhower, era um homem de gabinete, especializado em coordenar esforços para ganhar uma guerra. A guerra moderna implicava no triunfo logístico de um país sobre o outro. Os deuses da guerra não sorriam mais somente para os guerreiros corajosos; preferiam agora a quantidade de tanques.

A característica central da guerra, além dos aspectos puramente militares, foi justamente seu caráter mundial. Depois dela, todas as relações políticas e econômicas do planeta passaram a ser vistas, com clareza, como relações globais, que envolviam a todos.

Manifestação neonazista do Partido Jobbik (Hungria) que defende campos de concentração para os ciganos

Antes da Segunda Guerra Mundial, os homens podiam se considerar seguros se vivessem longe dos locais do conflito. Depois dela, como disse um escritor judeu, onde é possível esconder-se? Muitos acharam que os horrores de Treblinka e Dachau [campos de concentração dos nazistas alemães] eliminariam o preconceito e o racismo do mundo. O ressurgimento da xenofobia na Europa e na Alemanha reunificada mostra que a previsão foi no mínimo ingênua, que muitas das razões profundas desse ódio permanecem. A guerra nos deixou esse legado. Não há como fugir dela, num mundo cada vez mais único e globalizado. Depois de 1945, em certo sentido, todas as guerras são mundiais.

CHIARETTI, Marco. A Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Ática, 1997. p. 67-68.

Nenhum comentário:

Postar um comentário