"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 7 de março de 2012

Os nórdicos (vikings)

Ferreiro. Decoração de casa viking

Os nórdicos pagãos há muito vinham moldando a história das Ilhas Britânicas e do limite norte da cristandade. Provavelmente devido a uma superpopulação, os escandinavos começaram a se deslocar, a partir do século VIII. Equipados com barcos compridos, com remos e velas que podiam atravessar mares e rios rasos, e com pesados cargueiros que podiam abrigar grandes famílias, seus bens e animais por seis ou sete dias ao mar, eles se lançaram para implantar uma civilização que se estenderia da Groenlândia até Kiev. Os noruegueses colonizavam. Os suecos, que penetraram na Rússia e que sobrevivem nos registros como varegos, ocupavam-se mais do comércio. Os dinamarqueses encarregavam-se da maior parte dos saques e da pirataria. Mas nenhum desses povos teve o monopólio de nenhuma das características das migrações escandinavas, e os que participaram são chamados tradicionalmente, e de forma indiscriminada, de vikings (viquingues), palavra que significa "corsário ou "pirata".

Arrasto do Volokut, Nicholas Roerich 

O feito mais espetacular dos nórdicos foi a colonização. Substituíram totalmente os pictos nas ilhas Órcadas e Shetland, e dali estenderam os seus domínios até as ilhas Faroé (anteriormente inabitadas), exceto por uns poucos monges irlandeses e seus rebanhos) e a ilha de Man. Este assentamento foi mais duradouro e profundo do que na Escócia e na Irlanda continentais, onde começou no século IX. Contudo, a língua irlandesa registra a sua importância ao adotar palavras nórdicas no comércio, e Dublin foi fundada pelos vikings como um entreposto comercial. A colônia mais bem-sucedida de todas foi a Islândia. Ali, também, ermitãos irlandeses precederam os nórdicos, que só chegaram em grande número no fim do século IX. Logo haveria dez mil nórdicos islandeses, vivendo da agricultura e da pesca, em parte para a própria subsistência, em parte para produzir peixe salgado que podiam negociar. Nesta época foi fundado o Estado islandês, e reuniu-se pela primeira vez o "Althing" (mais um conselho de homens importantes da comunidade do que o primeiro "parlamento" europeu, como seria visto posteriormente).


Cenas da vida cotidiana viking, Martin Mörck 

   

No século X seguiram-se colônias na Groenlândia, onde os nórdicos estiveram por quinhentos anos e depois desapareceram. Da descoberta e do assentamento mais a oeste sabe-se muito menos. As Sagas, poemas heróicos da Islândia medieval, falam da exploração da Vinland, terra onde os nórdicos encontraram uvas selvagens e onde teria nascido uma certa criança (cuja mãe depois retornou à Islândia e foi novamente para o exterior, até Roma, como peregrina, antes de se estabelecer num reino altamente santificado na sua terra natal). Há razoáveis indícios para se crer que o assentamento descoberto na Terra Nova seja norueguês. [...]

Na tradição da Europa Ocidental, as atividades coloniais e mercantis dos vikings sempre foram obscurecidas pelo seu terrível impacto como saqueadores. Tinham hábitos muito grosseiros, e costumavam açoitar seus prisioneiros, como a maioria dos bárbaros. Os religiosos ficaram duplamente aterrorizados, como cristãos e vítimas, mas também por ataques às igrejas e aos mosteiros; os vikings achavam alvos especialmente atraentes as concentrações de metais preciosos e comida, convenientemente propiciadas por estes lugares. Mas os vikings não foram o primeiro povo a destruir mosteiros na Irlanda. Contudo, o seu impacto na cristandade do norte e do oeste foi indiscutivelmente apavorante. Primeiro atacaram a Inglaterra, em 793, e a Irlanda dois anos depois. Na primeira metade do século IX os dinamarqueses começaram a apavorar a Frísia, ano após ano, e as mesmas cidades foram saqueadas repetidas vezes. Então atacaram a costa francesa. Em 842, Nantes foi saqueada após um grande massacre. Poucos anos depois, um cronista franco lamentava que "a interminável multidão de vikings não parasse de crescer". Cidades bem interiores, como Paris, Limoges, Orléans, Tours e Angoulême, foram atacadas. Logo a Espanha e os árabes também sofreriam: em 844 os vikings atormentaram Sevilha. Em 859 atacaram de surpresa Nîmes e saquearam Pisa.


Embarcação viking

Estas terríveis incursões mudaram totalmente os povos que as sofriam, especialmente os francos a oeste. Não era possível prever os ataques-surpresa dos vikings às regiões litorâneas, nem resistir a eles. A devastação que eles causavam lançou novas responsabilidades sobre os magnatas de diversas regiões: o controle central e real se desmoronou, e os homens procuraram cada vez mais o senhor local em busca de proteção. Nem todos os esforços dos governantes para enfrentar a ameaça viking fracassaram. Os vikings podiam ser (e foram) derrotados, se atraídos para combates maciços em terra. E no conjunto os principais centros do Ocidente cristão foram defendidos com sucesso, mas os governantes muitas vezes tiveram de pagar o que os ingleses chamaram de Danegeld, um tributo para que eles se retirassem.

Funeral de um nobre viking, Henryk Siemiradzki

A Inglaterra logo se tornou um importante alvo. Por volta do século IX, seus reinos pagãos haviam sido amplamente cristianizados. [...] De tempos em tempos um ou outro reino inglês fora suficientemente forte para se desviar dos demais, mas nenhum conseguiu se manter sozinho diante da onda de ataques dinamarqueses a partir de 851, que acabaram ocupando dois terços do país e estabelecendo vastos assentamentos. Nesta conjuntura, o rei de Wessex salvou os anglo-saxões de uma recaída no paganismo e de serem incorporados à esfera cultural escandinava.

[...] Os dinamarqueses foram mantidos num reino unido durante meio século de turbulência [...]. Aconteceu uma nova ofensiva viking e foram pagas enormes somas de Danegeld. [...] Houve uma grande e última invasão norueguesa à Inglaterra, em 1066, mas foi dizimada na Batalha da Ponte de Stanford.

A civilização escandinava deixou importantes legados à Europa: por exemplo, o ducado da Normandia e a literatura das Sagas. Mas afinal foi apenas um episódio. Nas terras conquistadas, os nórdicos gradualmente se mesclaram com o resto da população [...].  Os "normandos", como são conhecidos, instalaram na Inglaterra uma nova família real e uma nova aristocracia em 1066, mas em poucos séculos sua casa real e sua aristocracia também se tornaram inglesas.

ROBERTS, J. M. O livro de ouro da história do mundo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. p. 358-362.

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