"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

O carnaval do tempo do Império

"O carnavalesco é um deus maldito
isso é que é bonito
recriar a criação"
(Aldir Blanc/Moacyr Luz)

Na frente, batendo bumbos e pandeiros, portugueses bigodudos, de tamancos e camisetas. Atrás, uma pequena e colorida multidão de mascarados, palhaços, índios, homens vestidos de mulher, diabos... Uns assopram apitos, outros tocam gaitas. Alegre e barulhento, o cordão atravessa as ruas estreitas do centro do Rio de Janeiro.

Viva o Zé Pereira
Que a ninguém faz mal
E viva a brincadeira
Dos dias de carnaval!

São comerciantes, funcionários, trabalhadores braçais, desocupados... Brancos, negros e mestiços. Dessa vez a manifestação não é de protesto, embora muitos desafoguem suas tristezas.

Cantando trechos de ópera, quadrinhas de circo e até temas religiosos, o bloco do "Zé Pereira" era um retrato vivo da cultura brasileira. O primeiro a sair, por volta de 1850, foi liderado por um sapateiro português, José Paredes. Com o tempo, o povo simplificou o seu nome e virou "Zé Pereira".

Entretanto, para a elite "à moda europeia", o "Zé Pereira" fazia mal. Uma revista da época dizia que "numa cidade que se pretende civilizada, a polícia não acode aos habitantes martirizados por alguns engraçados sem espírito. Eles passam horas inteiras espancando as peles dos zabumbas, quando as próprias é que deveriam ser escovadas".

Outra folia era o entrudo. Uma festa de escravos e pobres, que jogavam água e farinha uns nos outros. Cantavam, riam e brincavam. Sentiam um gostinho de liberdade.

Cena de carnaval, J. B. Debret

Os senhores de escravos sabiam que o entrudo aliviava as tensões e fazia esquecer, por algum tempo, a dureza do dia a dia. Por isso davam folgas para seus escravos nas vésperas do Natal e da Quaresma. O governo de D. Pedro II, no entanto, chegou a proibir a brincadeira. O motivo alegado era o de sempre: havia muita violência e as festividades faziam o Brasil parecer "primitivo" aos olhos dos europeus.

A vontade de ser feliz estava em todos os cantos do país. Vejam só, na rua do Fogo, em Recife! De longe, parece um rio de águas agitadas... Mas é a multidão - os "pés de poeira" - que vem dançando o frevo. Um ritmo explosivo, quente. Um desafogo daquela gente que trabalha o ano inteiro! Vez por outra, no meio da folia, a ponta de um chapéu de sol fere a pança de um comerciante português, que está na calçada... O "parrudo" do "seu" Joaquim não gosta:

- Ai, se te pego, ó gajo!

É um corre-corre. Pernas-pra-que-te-quero!! Mas o frevo não parava.

Até nas festas da igreja da Penha, no Rio de Janeiro, os sons carnavalescos apareciam. Nas comemorações da Folia do Divino, as beatas torciam o nariz quando ouviam cantigas "pecadoras":

O divino Espírito Santo
É um grande folião
Amigo de muita gente,
Muito vinho e muito pão!

Os negros do cais de  Salvador, na Bahia, também saíam com seus blocos e afoxés: os "Pândegos da África", a "Embaixada Africana", o "Império Africano". As autoridades acusavam os negros de "africanizarem o carnaval". Por isso procuravam impedir aquelas manifestações que, segundo diziam, fariam a "civilizada" Europa "pensar mal do Brasil"...

ALENCAR, Chico et alli. Brasil vivo 1: uma nova história da nossa gente. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 149.

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