"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Urbanização e civilização

Ruínas de Palenque: civilização maia

Durante muito tempo, e por inspiração dos filósofos racionalistas do século XVIII, a palavra civilização significou um conjunto de instituições capazes de instaurar a ordem, a paz e a felicidade, favorecendo o progresso intelectual e moral da humanidade.

Dessa forma [...] haveria um corte nítido entre pré-civilizados e civilizados. Estes, europeus e alguns de seus descendentes diretos, e os outros, todos aqueles que por terem cultura e padrões de comportamento muito distinto do nosso constituíriam uma espécie de homens inferiores, criando ou sociedades primitivas ou simplesmente se situando à margem da lei.

Essa concepção eurocêntrica de mundo [...] encontra seu contraponto numa outra, no extremo oposto, que opta por atribuir a qualquer pequeno grupo de indivíduos capazes de amassar o barro e construir palhoças o conceito de civilização.

[...]

Civilização [...] não é um elogio e pré-civilizados não pode ser tomado como ofensa. [...]

Uma civilização, via de regra, implica uma organização política formal com normas estabelecidas para governantes (mesmo que autoritários e injustos) e governados; implica projetos amplos que demandem trabalho conjunto e administração centralizada (como canais de irrigação, grandes templos, pirâmides, portos etc.); implica a criação de um corpo de sustentação política (como a burocracia de funcionários públicos ligados ao poder central, militares etc.); implica a incorporação das crenças por uma religião vinculada ao poder central, direta ou indiretamente (os sacerdotes egípcios, o templo de Jerusalém etc.); implica uma produção artística que tenha sobrevivido ao tempo e ainda nos encante (o passado não existe em si. Se dele não temos notícia é como se não tivesse existido); implica a criação ou incorporação de um sistema de escrita (esse item não é eliminatório): os incas não tinham propriamente uma escrita, nem por isso deixavam de ser civilizados); implica finalmente, mas não por último, a criação de cidades.

De fato, sem cidades não há civilização.

As grandes descobertas e invenções do Neolítico seriam apenas comodidades se não provocassem, por meio e por causa da urbanização, uma significativa mudança socioeconômica.

A roda, a metalurgia, o animal de tração, o barco a vela tiveram seu caráter transformador por se integrarem a uma nova organização social propiciada pela urbanização.

Nas numerosas aldeias espalhadas pelo Crescente Fértil não havia necessidade de levar os inventos e as descobertas até a sua utilização máxima. Já no sul da Mesopotâmia e do Egito tudo foi usado para que o homem pudesse enfrentar e dominar a natureza.

Isso significa grande número de pessoas atuando de forma organizada pela incorporação de conhecimentos sociais e sob uma liderança que vai se estabelecendo e adquirindo legitimidade.

[...]

A cidade não apenas decorre de um determinado grau de desenvolvimento das técnicas e do conhecimento humano, em geral. Ela também impele a espécie humana a crescer.

PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. São Paulo: Contexto, 2010. p. 60-63.

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