"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Cultura e higiene na Europa Moderna

Provérbios flamengos, Bruegel
     
(...) na chamada Idade Moderna, os hábitos de higiene não eram tão modernos assim. A França, por exemplo, tinha uma elite que adorava bailes e abominava a higiene. (...)

Um modelo novo de latrina, por ação de água, como uma espécie de vaso sanitário atual, simplesmente não pegou. Mesmo depois que as fossas sépticas se tornaram obrigatórias, quase metade das 32 mil casas do Porto de Marselha, em 1886, não tinha latrinas. Os dejetos eram mantidos em jarros, invariavelmente esvaziados na sarjeta mais próxima. Em Bordeaux, certa vez, 12 mil fossas mal construídas contaminaram o lençol freático, de onde saía a água para as casas.

(...) Os banhos eram poucos e limitados de acordo com o sexo, a idade, o temperamento e a profissão. A ordem social é clara: nada de exageros. “Lavam-se com freqüência as mãos; todos os dias o rosto e os dentes, ou pelo menos os dentes da frente; os pés, uma ou duas vezes por mês; a cabeça, jamais (...)”.

Se a história da humanidade, no tocante à higiene, nem de longe tem odor de rosas, deve-se salientar que os antigos romanos constituíam uma exceção. Suas casas tinham chão impermeável e eram constantemente varridas; as cidades possuíam água encanada, banheiros públicos e esgotos canalizados. Obcecados pela limpeza, como afirma Norberto Luiz Guarinello – arqueólogo e professor de História da USP que já examinou ruínas no Sul da Itália -, os romanos foram também provavelmente os melhores engenheiros da Antiguidade. Escavavam túneis em rocha e construíam aquedutos de dezenas de quilômetros para conduzir água das nascentes até as fontes e chafarizes das cidades.

Latrina. Pintura medieval.

A familiaridade com a água permitiu também a construção de latrinas coletivas para os escravos, nas fazendas, e das termas, banheiros públicos, nas cidades. Cercadas por muros de 20 m de altura, tão suntuosas quanto os atuais shoppings centers, essas termas  tinham jardins imensos, espaço para exercícios físicos e três ambientes diferentes para banhos com água fria, morna ou quente. Ali, centenas de homens e mulheres, em dias e locais separados, tomavam banhos durante duas ou três horas por dia. Para tirar a sujeira, espalhavam óleo pelo corpo, que depois era removido pelos escravos. Se outros povos houvessem feito a metade disso, em matéria de higiene, a humanidade teria sido poupada de muitas doenças e desconfortos. Se alguém tem dúvidas, basta lembrar que banhos diários, na Idade Média, só eram tomados por recomendação médica, para evitar doenças de pele. Já o nobre trono sanitário com água corrente, tão conhecido nosso, só apareceu depois de 1900, por obra dos ingleses. Até o telefone já existia. 

Revista Globo Ciência. Ano 2, n. 17, dezembro/92, p. 65.

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