"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

terça-feira, 5 de abril de 2011

Ciência e cultura na Antiguidade Oriental

Artesãos egípcios

A Ciência progrediu sem a Humanidade primitiva ter consciência clara de sua significação e de seus limites. Por isso, não houve, na Antiguidade Oriental, uma distinção entre Ciência pura e Ciência aplicada. É difícil dizer quando os homens [...] adquiriram , em contato com os fenômenos naturais, as noções de número, de dimensões, de formas e começaram a classificá-los. É evidente, entretanto, que muito antes devem ter imaginado processos elementares de contar tempo e distâncias.
[...]

Entre "5000 a 3500 a.C. os egípcios estavam em situação meio selvagem e meio civilizada", diz Sherwood Taylor. "Vestiam-se de peles e roupas de pano ou de couro; assavam pão e usavam uma linda cerâmica que, entretanto, era feita no tôrno de oleiro. O rápido desenvolvimento de uma cultura civilizada é contemporânea da invenção da escrita que, na Mesopotâmia, data de 3500 a.C. e no Egito de muito mais tarde. O papiro já era usado desde 3000 a.C."

"A contribuição inestimável do antigo Egito e da Mesopotâmia foi a invenção dos materiais simples da vida cotidiana... O tôrno de oleiro, as ferramentas de metal, a balança e os pesos, as medidas, as cadeiras e mesas, os materiais de escrita, os perfumes, o talho e o corte exato da pedra, a técnica da construção, assim por diante, tudo isso são invenções do primeiro estágio da cultura humana, do milênio que antecedeu 2500 a.C.... A civilização tornou-se possível com a introdução dos metais... A invenção dos processos de separar os metais de seus respectivos minérios era básica para a criação de uma civilização... A necessidade imperiosa dos metais foi, provavelmente, o primeiro incentivo para o comércio internacional e, este meio, para o desenvolvimento e a disseminação da cultura." (Sherwood Taylor. Pequena História da Ciência. p. 13-14).

Do Egito Antigo não foram achadas bibliotecas; entretanto, houve no país, desde o terceiro milênio [...] uma vida literária de inspiração poética. Além dos textos mitológicos, das inscrições funerárias e das narrativas oficiais, existem textos coligidos que são verdadeiros exercícios escolares pelo objetivo educacional que os caracteriza. Uma certa ingenuidade resulta das Instruções  do vizir Pta-Hotep, que escrevia sob a V Dinastia, assim como das Instruções do escriba Akthoi, sob a XII Dinastia, destinadas por Amenemat I à formação moral e política de seu filho Sesostri I.

Os numerais mais antigos conhecidos são os da Suméria e do Egito. Eram empregados na Mesopotâmia, sistemas decimais e sexagemais. "Em todos estes sistemas gráficos, diz Aníbal de Sousa (A História dos Números), os números são escritos da direita para a esquerda à moda dos Semitas, que ainda hoje o conservam." Em Babilônia e na Assíria, os numerais também eram em cuneiformes. No Egito, a mais antiga obra de matemática foi o Papiro de Ahmés que usava a numeração decimal, sem o zero. [...] Na arte de calcular, os babilônios tinham uma técnica superior à dos gregos e, segundo Hogden, pouco faltou à aritmética da Babilônia para ser um instrumento de cálculo tão eficiente quanto o nosso. [...] Em Nipur, foram encontrados muitos milheiros de placas de argila de uma biblioteca que constituíram uma verdadeira escola de aritmética comercial, o que se explica pelo fato de ter sido a Mesopotâmia uma terra de ativos comerciantes.

A mensuração, operação tão fundamental em ciência, teve a sua origem no comércio e na construção. São conhecidas as unidades de peso e de volume pelas pedras marcadas encontradas no templo sumeriano de Lagash. As medidas egípcias eram decimais, mas era também usado o sistema sexagesimal por se prestar mais à divisão. Ainda hoje é empregado na medição do tempo, dos ângulos, da velocidade.

A Cronologia e o Calendário resultavam da observação do ciclo lunar. Foram fixados doze meses lunares, mas quando o acúmulo anual de onze dias excedentes já não permitia a coincidência com as posições características do Sol, era acrescentado um décimo-terceiro mês intercalado. [...]

No Egito, eram as enchentes anuais do Nilo que ajustavam o calendário do ano solar. A data que servia de referência era meados de julho, quando o nascer do Sol coincide com o nascer da estrela Sírio, a mais brilhante do céu no Egito, marcando o início das enchentes. O cálculo levou os egípcios a fixar meses de trinta dias, com um resíduo de cinco dias, constituindo dias santos. Este calendário civil, na opinião de Breasted, foi elaborado 4241 anos a.C. Não só, diz ele, representa a data histórica mais remota, como também "marca a primeira data na história intelectual da humanidade."

A divisão de dias em horas foi efetuada no Egito pela clepsidra ou relógio de água. A primeira descrição de uma clepsidra foi achada num túmulo de Tebas, em 1550 a.C., de um chamado Amenemest. [...]

Da Suméria, tinha Babilônia, herdado a religião e seus deuses, seu receio das forças naturais e das calamidades. O Sol e a Lua eram divindades maiores, mas, cedo, a observação dos planetas e seu movimento próprio levou estes astros à divinização. Analogias notadas entre certos fenômenos celestes e fenômenos da vida humana determinaram os sacerdotes a procurar nos céus sinais precursores de acontecimentos terrestres, criando a Astrologia. Foi assim também fixado em mapa o equador celeste dividido em 360 graus [...]. Ptolomeu, no segundo século da nossa era, relata eclipses da Lua, conhecidos 747 anos a.C. As órbitas dos planetas eram conhecidas com exatidão. [...] Em 500 a.C., o babilônio Naburimannu computava o ano solar em 365 dias, 6 horas, 15 minutos e 41 segundos.

No Egito, a Astrologia passou a ser Astrolatria. Os motivos religiosos influíram consideravelmente, pois como dizia Heródoto, os egípcios "eram os mais escrupulosamente religiosos dos homens". [...] O calendário civil do Egito dividia o ano em 30 décadas, agrupando assim as constelações no equador celeste. A divisão do ano era feita em três estações: a inundação, a cultura e a colheita.

Outros serviços prestou o Nilo ao progresso cultural do Egito. As suas enchentes determinavam inundações que cobriam anualmente os campos e apagavam as divisões das propriedades. Como era pago o tributo ao rei segundo a extensão das terras possuídas, era necessário, cada ano, proceder a novas medições. Tornaram-se os egípcios agrimensores hábeis, guiando as suas mensurações pro meio de retângulos. [...]

[...] Sem possuir máquinas, puderam, os egípcios, conseguir o transporte de grandes massas de pedra, usando cunhas, planos inclinados, cordas, alavancas. Nas pirâmides, os ângulos de base eram de 52º exatamente.

O nome hieroglífico de Egito é Quemi; é possível que esta significação de "país negro" seja a origem da palavra química. É difícil apurar quando principiaram a ser empregados processos químicos para olaria, cimento, metais e tinturas. Ouro e prata foram metais cedo conhecidos, desde o Egito pré-histórico; o uso do bronze não se tornou frequente senão depois de 2500 a.C. Mais comum foi o chumbo, cujo minério era muito encontrado com pequenas quantidades de prata: daí a ideia antiga de transmutação de metais. A utilização do ferro é posterior.

Inscrições decifradas revelam que, no Egito, a fórmula para fabricação de vidro incluía quartzo, carbonato de cálcio e cinzas vegetais. Os vidros eram azulados, ou avermelhados. Mas a Ásia Menor e a Índia conheciam também o vidro.

O Egito também preparava couros, fabricava perfumes, cerveja e vinho. [...]

Preceitos médicos em certos papiros (Smith 2000 a.C.; Elbers 1500 a.C. e Brusch 1300 a.C.), assim como diagnósticos retrospectivos feitos em múmias, revelam casos de moléstias que foram tratadas pela medicina egípcia. [...] Embora envolvida de magia, não deixava de ser racional e de exigir cuidadosa observação dos sintomas. Metais e plantas eram utilizadas numa farmacopéia variada, assim como órgãos animais, por vezes em curiosas receitas (casco de asininos, intestino de antílope etc.).

Eram afamados os egípcios pelos seus conhecimentos botânicos de ervas e plantas, mas as tábuas médicas das bibliotecas de Nínive revelam listas metódicas e inteligentes de 120 plantas com seus nomes, em várias línguas, suas características e suas variedades assim como processos de frutificação artificial. 

A anatomia animal e humana, cujo conhecimento era incentivado pelos ritos funerários e pelo desejo de saber qual a vontade dos deuses, foram cedo objeto de estudos, em que mágicas orações e encantamentos foram, aos poucos, abandonados. Cerca de 200 tábuas medicais da biblioteca de Assurbanípal foram decifradas. Um arquiteto egípcio, Imotep, foi grande médico e foram encontrados vários papiros medicinais com estudo sistemático de moléstias, exame, diagnóstico e tratamento. [...] O estudo do cérebro foi particularmente cuidado; o coração foi cedo tomado como índice das condições dos doentes, embora fosse desconhecido o fenômeno da circulação do sangue. 

CARVALHO, Delgado de. História Geral 1: Antiguidade. Rio de Janeiro: Record, s.d. p. 39-44.

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