"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 16 de abril de 2011

Buda, Cristo e Maomé: o trio triunfante

Cristo, Velásquez

As três religiões universais a terem cruzado fronteiras, capazes de converter uma variedade de terras e povos, nasceram durante uma fase especial da história humana. Buda, Cristo e Maomé surgiram num espaço de tempo um pouco maior que 1000 anos. A primeira crença, o budismo, apareceu por volta do primeiro século antes de Cristo e a última, o Islã, emergiu no sétimo século depois de Cristo. Desde então, nenhuma nova versão de uma religião universal atingiu tamanho sucesso.

Essas religiões mundiais relfetiram uma transição da crença de que Deus era predominantemente um símbolo de medo para uma convicção de que o amor é divino. Elas incorporaram um alto senso de humanidade. Nenhuma dessas religiões jamais teve a chance de ser a monopolizadora de uma raça. Pode-se admitir que o judaísmo foi, em grande parte, uma religião universal, tendo sido a geradora de duas religiões de grande alcance, mas, na maior parte do tempo, ela não procurou ativamente a conversão de pessoas.

Os comerciantes que faziam negócios entre cidades inicialmente tinham mais probabilidade de acolher bem as novas religiões do que a religião rural. Essas crenças enfatizavam a confiança numa época em que os comerciantes em terras estranhas precisavam de um clima de confiança, no qual os contratos e os acordos verbais pudessem ser honrados. Os primeiros seguidores de Buda geralmente eram comerciantes, Maomé também era um comerciante. O cristianismo foi inicialmente disseminado longe de casa pelos judeus, muitos dos quais eram comerciantes em terras estranhas. Embora Cristo tenha afastado os comerciantes de dinheiro do templo de Jerusalém, isso aconteceu porque estavam no lugar errado e, não, porque seguiam uma ocupação indigna, Muitas de suas parábolas solidárias sobre os dilemas do cotidiano de fazendeiros e de pastores sugerem que ele não era hostil para com os empreendimentos de negócios. Como carpinteiro ou filho de carpinteiro, ele conhecia o mundo do comércio.

O grande sucesso dessas religiões em novas terras devia-se principalmente aos devotos generosos que desejavam dar suas vidas, ou perder suas vidas, simplesmente defendendo sua causa. Para que uma religião consiga se espalhar em uma nova terra depende de o governante querer recebê-la. As religiões universais atraíram de forma especial os imperadores que tentavam governar povos que não tinham uma coesão social. O budismo e o cristianismo, que ainda estavam lutando após vários séculos de pregação de fé, deveram muito de seu sucesso posterior à conversão de dois poderosos imperadores, Asoka, da Índia, e Constantino, de Roma. Um rei de um vasto império achava-se propenso a acolher bem uma religião que fizesse seu povo se sentir contente com suas vidas simples e, às vezes, difíceis.

Por volta do ano 900, as três religiões universais tinham alcançado, entre si, a maior parte do mundo conhecido. Só o continente americano, o sul da África, a Nova Guiné, a Austrália e outras ilhas afastadas além de seu alcance. Dessas três religiões, a mais jovem era talvez a mais vigorosa e, com a ajuda de comerciantes árabes, o Islã estava conquistando uma vasta área do sudeste asiático. Por outro lado, a mais antiga das religiões, o budismo, estava influenciando o maior número de vidas por causa de sua força na populosa China, Coréia, Japão e Indochina. Embora tivesse quase esgotado sua influência em sua terra natal da Índia, ainda continuava conquistando novas regiões.

O cristianismo era agora a menos viva das três. Contava com partes do nordeste da África e da Ásia Menor, mas conquistou poucas conversões na Ásia propriamente dita. Na Europa, era dominante praticamente desde a Irlanda à Grécia, mas tinha perdido terreno para o Islã ao longo do Mediterrâneo e tinha fracassado ao penetrar no norte gelado do continente. Fracassou em converter a Suécia e a Dinamarca. Outros evangelizadores fizeram pouquíssimo progresso na Rússia.

Todas as religiões de importância dependiam de apoio de governantes fortes e profanos, mas os governantes da Europa cristã não eram tão poderosos quanto tinham sido na época do Império Romano. Uma religião de importância também dependia, para oportunidades de expansão, daqueles seguidores que eram comerciantes e que, fazendo negócios longe de casa, espalhavam a palavra ou preparavam o terreno para os missionários. No ano 900, no entanto, os comerciantes cristãos da Europa encontravam-se encurralados pelo Islã de um lado e o desconhecido Atlântico do outro.

Se tivessem existido, no ano 900, alguns sábios observadores com grande noção de mundo conhecido, e se tivessem sido questionados sobre qual das principais religiões parecia ter o futuro em suas mãos, eles certamente não teriam apontado para o cristianismo. Este estava principalmente ancorado à civilização estagnante da Europa e, ainda ssim, quase que por milagre, suas perspectivas vieram a ser transformadas seis séculos depois.

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve História do mundo. São Paulo: Fundamento, 2004. p. 98-100.

Nenhum comentário:

Postar um comentário