"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

segunda-feira, 7 de março de 2011

Ponto de encontro

Reação dos indígenas contra os frades e soldados depois do massacre de González de Ocampo em 1521, Theodor de Bry.

"Após setenta e um dias, cheguei às Índias, onde encontrei numerosas ilhas, das quais tomei posse em nome de Vossas Majestades, sem encontrar qualquer oposição. À primeira delas eu denominei São Salvador, em homenagem ao Todo Poderoso que tudo isto me possibilitou de maneira milagrosa. [...]

Os habitantes dessas ilhas vivem nus. Eles não conhecem o ferro e não possuem armas; são altos e bem feitos de corpo, mas extremamente tímidos. Mas, desde que vençam a timidez, eles se mostram simples e afáveis, de tal modo que não se poderia crer. Qualquer coisa que se lhes peça, jamais negam, e se mostram contentes com tudo aquilo que lhes oferecemos. [...]

Na Ilha Espanhola há ouro em abundância, e também especiarias e algodão; e escravos poderão ser aprisionados entre os idólatras; acredito que exista também ruibarbo e canela. [...] Tudo isto é verdadeiro. Deus Nosso Senhor me concedeu a vitória, como a todos aqueles que seguem Seu caminho, neste empreendimento que parecia impossível."

A carta escrita pelo navegador Cristóvão Colombo, em março de 1493, relatando sua chegada à América, no ano anterior, demonstra a alegria pelo acontecimento, e anuncia as vantagens que poderiam ser alcançadas. Os habitantes das novas terras - que foram chamados de índios, pois Colombo ainda julgava ter chegado às Índias - poderiam ser convertidos à religião cristã e também fornecer imensas riquezas aos Reis Católicos, Isabel de Castela e Fernão de Aragão, que tinham apoiado a expedição de Colombo.

Sete anos depois, o escrivão Pero Vaz de Caminha, que viajava na frota de Pedro Álvares cabral, escrevia ao Rei de Portugal Dom Manuel I informando que na Ilha de Vera Cruz, "até agora não podemos saber se haja ouro nem prata, nem nenhuma coisa de metal, nem de ferro."

Embora não pudesse descrever riquezas idênticas às da Ilha Espanhola, o escrivão não deixaria de assinalar que "a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os dentre Douro e Minho, porque nesse tempo de agora assim os achamos como os de lá; as águas são muitas, infindas; em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem; porém o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente, e esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar."

Descrevendo as Antilhas ou o litoral brasileiro, os relatos dos últimos anos do século XV expressavam uma visão otimista das regiões alcançadas. Esta visão otimista contrastava com uma profecia maia, que dizia estar se aproximando a época em que "a terra queimará e haverá grandes círculos brancos no céu. A amargura surgirá e a abundância desaparecerá. A terra queimará e a guerra de opressão queimará. A época mergulhará em graves trabalhos. De qualquer modo, isso será visto. Será o tempo da dor, das lágrimas e da miséria. É o que está por vir."

À chegada das naus de Colombo ao novo continente os europeus chamariam, pouco tempo depois, de Descobrimento da América. Os índios poderiam denominar aquele fato histórico de Descobrimento?

O Descobrimento foi seguido pela Conquista. Os espanhóis passaram das Ilhas para o Continente - a "Tierra Firme" -, em busca de ouro, prata e pérolas, para capturar escravos índios, ou ainda para descobrir novas terras que pareciam esconder riquezas infindas.

A profecia maia parecia se cumprir. "Dios está en el cielo, el Rey está lejos, Y o mando aquí", parecia ser o lema dos conquistadores.

Quase na mesma época, os portugueses expandiam-se pelo litoral brasileiro, como se expandiriam pelo interior do território, anos depois, em busca das mesmas riquezas ambicionadas pelos espanhóis. Os nativos foram escravizados, dizimados ou expulsos para o "sertão". No poema Feitos de Men de Sá, cuja autoria é atribuída ao padre jesuíta José de Anchieta, cantava-se:

"Quem poderá cantar os gestos heróicos do Chefe
à frente dos soldados, na imensa mata: cento e sessenta
as aldeias incendiadas,
mil casas arruinadas
pela chama devoradora, assolados os campos,
com suas riquezas, passado tudo ao fio da espada."

Espanhóis e portugueses seriam seguidos de franceses, holandeses, ingleses e outros povos europeus, na conquista do território americano.

A Conquista abriu caminho à Colonização, ainda nas décadas iniciais do século XVI. Minas de metais preciosos foram exploradas. Nas propriedades agrícolas de grande extensão eram cultivados a cana-de-açúcar, o tabaco, o algodão e outros artigos que eram consumidos na Europa. Nas matas extraíam-se madeiras, como o pau-brasil, e caçavam-se animais cujas peles alcançavam altos preços nos mercados europeus. O Novo Mundo enriquecia o Velho Mundo.

Em muitas dessas atividades o indígena foi utilizado como mão-de-obra pelo colonizador europeu. Em outras, porém, a mão-de-obra empregada foi a do negro africano escravizado. O Descobrimento e a Conquista haviam colocado lado a lado o indígena e o europeu; a Colonização reunia a ambos um terceiro elemento: o negro africano, que chegava à América como escravo.

Reunidos no mesmo continente, o colonizador europeu e o índio e o negro colonizados, povoaram a terra, ergueram cidades, construíram novas nações: as nações americanas. Como colonizador, o branco europeu pôde estabelecer o dia 12 de outubro de 1492 - o dia em que pela primeira vez ele chegara às novas terras - como o dia do Descobrimento da América.

MATTOS, Ilmar Rohloff de et alli. História. Rio de Janeiro: Francisco Alves/Edutel, 1977. p. 11-14. 

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