"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sábado, 12 de março de 2011

Do frevo ao carnaval

Capoeira, Rugendas

Nacionalismo musical é um dos nomes chiques que se dão à cultura popular. As cidades, que cresciam com rapidez, favoreciam novas formas de cantar e dançar, que dependiam, basicamente, da inventividade do povo. Assim surgiu o frevo em Recife. Há quem diga que o frevo nasceu dos desfiles cívicos, dos quais participavam grupos de capoeira. Em algumas cidades, como Salvador e Recife, esses grupos tinham um sentido de afronta aos portugueses, que ainda ocupavam os melhores empregos. Além disso, em Recife também participavam dos desfiles as bandas do Quarto Batalhão de Artilharia (ou o Quarto) e da Guarda Nacional (apelidada de Espanha devido ao seu maestro Pedro Garrido, que era espanhol). As duas eram importantes e acabaram dividindo até os capoeiras em dois partidos. Com a rivalidade, a coreografia foi se aperfeiçoando, cada qual complicando as balizas com bengalas ou bastões de duríssima madeira do quiri.

A partir de 1880, as fanfarras, constituídas por trabalhadores pobres, passaram a associar-se à música de rua, e um novo gênero começou a surgir: uma mistura de dobrado e ritmos populares, com instrumentos de metal acompanhados de uma multidão de dançarinos-capoeiras. Os desfiles transformavam-se em verdadeiro delírio coletivo, com a multidão improvisando passos frenéticos. Ela fervia, e foi a palavra fervura, ou frevura, como falavam os menos instruídos, que deu origem ao termo frevo.

O frevo-capoeira foi assimilado pela camada média da população: reelaborado por compositores, perdeu o sentido contestador de suas origens, tornando-se um dos gêneros musicais mais difíceis, que exige sólidos conhecimentos de composição.

Na ponta inversa da cultura popular está o circo, do qual pouca coisa mudou de sua origem para cá. O picadeiro circular e a presença de animais selvagens são heranças do circo romano. No Brasil ele serviu para difundir as formas de teatro musicado. Os palhaços vinham das camadas mais baixas da população. O primeiro de quem se tem notícia no Brasil foi Benjamim de Oliveira, um negro de Pará de Minas. Ainda menino, ele partiu com o Circo Sotero, e se tornou malabarista. Era tão espancado pelo patrão que fugiu para São Paulo, onde se uniu a um bando de ciganos, entre os quais começou a trabalhar como palhaço. Para as populações do interior, a chegada de um circo era uma grande oportunidade de lazer. Por meio dele, músicas e anedotas tipicamente urbanas acabaram passando para o folclore. Como o circo, o carnaval tem origem nas antigas Grécia e Roma, onde, por ocasião das colheitas, permitia-se liberdade aos escravos, e se comia, bebia e dançava à exaustão.

No Brasil imperial, no entanto, as brincadeiras de rua eram duramente reprimidas. Cansados do controle policial, os foliões cariocas organizaram cordões constituídos por negros, mestiços e brancos-pobres que saíam às ruas fantasiados, cantando e dançando ao som de instrumentos de percussão. Começava a surgir a autêntica música de carnaval.


A primeira da qual se tem notícia é Flor de São Lourenço (1885), produzida pelos cordões cariocas. A partir de então, as elites e a classe média deixavam suas casas para participar de animados bailes carnavalescos realizados nos teatros.


A polca, estritamente instrumental, animava a folia nos salões. A partir de 1880 começaram a aparecer os coros e as músicas com letras de carnaval, quando os frequentadores dos bailes já demonstravam interesse por outra novidade importada da Europa: os desfiles públicos de carros alegóricos. A classe média passou a integrar os cordões, numa mistura social restrita aos três dias de folia. Brasil 500 anos. São Paulo: Abril, 1999. p. 528-9.

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