"Os espelhos estão cheios de gente.
Os invisíveis nos vêem.
Os esquecidos se lembram de nós.
Quando nos vemos, os vemos.
Quando nos vamos, se vão?"
Eduardo Galeano: Espelhos

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

A vida cotidiana em Roma

"A poetisa". Pintura romana.

Na época áurea do Império, a população de Roma chegou a 1 milhão de pessoas. Foi o grande centro cultural e político dos últimos séculos do mundo antigo. Administrá-la representava um grande desafio, devido sobretudo à concentração demográfica. Os problemas enfrentados eram parecidos com os das metrópoles atuais: falta de moradia e de lazer, violência, trânsito conturbado. Além disso, a desigualdade social ficava evidente nos tipos de moradias e em sua localização: algumas residências eram suntuosas, privilegiadas pelo uso da infra-estrutura pública, enquanto a maior parte da população morava em cubículos ou perambulava pelas ruas.

A cidade recebia inúmeros estrangeiros. Muitos iam tentar a sorte em Roma, buscando fugir da vida precária que tinham no campo. A cidade, já no mundo antigo, simbolizava um lugar de maior liberdade. Mas Roma era também dominada pelos interesses da aristocracia e pelo escravismo. O historiador Paul Veyne registra:

"Sendo um bem que se possui, um escravo é um inferior. E como esta inferioridade de um homem faz de outro homem seu proprietário, um chefe, esse amo, seguro de tal grandeza, a consagrará considerando natural a inferioridade do escravo: um escravo é um sub-homem por destino e não por acidente; a escravidão antiga tem por analogia psicológica menos remota o racismo". (O Império Romano. In: Phillippe Ariès, Georges Duby (dirs.) História da vida privada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. v. 1. p. 62)

O crescente aumento de escravos exerceu influência no cotidiano romano, tanto na formação de uma mentalidade discriminatória, quanto na divisão social do trabalho, na repartição das tarefas e na administração da ociosidade forçada dos que não conseguiam trabalho. Devido a essa ociosidade, desenvolveram-se atividades a fim de atrair as multidões e evitar agitações sociais. Essa chamada política do pão-e-circo - distribuição gratuita de alimentos, sobretudo o trigo, e de dinheiro, no caso dos eleitores mais pobres, além de oferta de diversão - atraía a simpatia popular e desviava a atenção da miséria em que muitos viviam.

Outra semelhança entre Roma antiga e as metrópoles modernas é o papel do lazer na vida cotidiana. No tempo dos romanos, era preciso mobilizar os desejos e as emoções para o divertimento, evitando assim sua canalização para a rebeldia política. Na época do ditador Júlio César, chegaram a ser reunidos 640 gladiadores na arena; na época do imperador Trajano, houve uma maratona de mortes que durou 117 dias. A violência atraía os espectadores e deixava-os fascinados. A morte tornou-se frequente por exigência das platéias. As arenas de lutas, como o Coliseu, serviam também para punir pessoas perseguidas pelo governo ou mesmo prisioneiros de guerra.

Os mais ricos gozavam de outras oportunidades de lazer e convívio social*. Os balneários eram muito comuns, não só na cidade de Roma. Constituíam um espaço para conversas, conspirações, encontros de negócios, cuidados com o corpo, rituais de vaidade, enfim, situações presentes em organizações humanas de todos os tempos. Sendo competitiva e agitada, a sociedade romana exigia que as pessoas se apresentassem bem. Os que gostavam de lugares abertos passeavam na praça, junto ao fórum, no centro da cidade, onde circulavam pessoas de diferentes origens e interesses, o que incluía as prostitutas, cujos serviços eram muito solicitados em uma cidade tão populosa como Roma.

* Vou te indicar onde poderás encontrar os homens que buscas [...], honestos ou desonestos. Queres encontrar um perjuro? Basta ires à tribuna dos discursos. Um mentiroso ou um fanfarrão? Deves ir ao templo de Vênus [...]. Ricos maridos, pródigos quanto ao seu dinheiro? Tu os encontrarás perto da Basílica. Tu encontrarás lá, também, prostitutas envelhecidas e os que alugam o próprio corpo segundo um contrato. Os que estão buscando comida podem ser encontrados no mercado dos peixes. Na parte baixa do Foro, passeiam as pessoas honestas [...]. Os insolentes, os falastrões e os ciumentos estão perto do Lago Curtius [...]. Perto das Velhas Lojas, encontram-se os cambistas e os usurários. [...] No Velabro, os padeiros, os açougueiros [...]. (PLAUTO, “O gorgulho”. V. 467-485. In: SALLES, Catherine. Nos submundos da Antiguidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. p. 151.)

As crianças de ambos os sexos, por sua vez, participavam das mesmas brincadeiras até o início da adolescência, quando começava a preparação para a vida pública. As meninas das famílias mais ricas já aos 13 anos estavam liberadas para o casamento. No início da República, as mulheres viviam sob a autoridade absoluta do marido. No tempo do Império, podiam se divorciar e realizar negócios. Se comparadas às mulheres gregas, tinham mais liberdade de ação, não se restringiam ao espaço doméstico. As mais ricas tinham até oportunidade de educar-se. Esse aspecto acentua o sexismo da democracia grega, a qual considerava cidadãos somente os indivíduos do sexo masculino e mantinha as mulheres subordinadas aos homens.

REZENDE, Antonio Paulo e DIDIER, Maria Thereza. Rumos da história: história geral e do Brasil. São Paulo: Atual, 2005.
SALLES, Catherine. Nos submundos da Antiguidade. São Paulo: Brasiliense, 1983. 

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